Orelhas Brancas
Altino Farias*
Tinha de viajar a lugar
distante e desconhecido por conta do trabalho. E assim o fez. Antes, porém, os
preparativos de praxe: antecipação do pagamento de contas, reorganização da
agenda, recomendações domésticas.
Chegando ao destino, estranhou
tudo. A estética contrariava a lógica, com construções angulosamente obtusas,
recortadas, aparentemente antifuncionais. Veículos também seguiam a mesma
tendência, com formas inusitadas, feias, desarmônicas. O desenho das ruas e
tráfego de pessoas e automóveis, um caos.
Ao chegar ao hotel recebeu a
recomendação de que deveria adquirir certo produto para ser adicionado à água
do banho. Acondicionado num balde de dezoito litros, era uma espécie de geléia,
que ele questionou ser mesmo necessário.
– Para que serve isso? Não é
muito? Vou ficar pouco tempo... – perguntou à pessoa que o recepcionara.
– Suas orelhas já estão
brancas, já reparou? – respondeu o habitante do lugar.
– Orelhas brancas? Mas o que é
isso? O que acontece aqui? – inqueriu constatando que suas orelhas, de fato,
estavam embranquecidas.
– É por causa do cigarro – respondeu seu interlocutor.
– Cigarro? Mas eu nem fumo...
– E nem precisa. Toda a fumaça
de cigarro do mundo vem para cá e aqui se acumula, não sabia? Por isso usamos
essa geleia para limpeza do corpo, senão...
– Meu Deus, onde vim parar!?
Horrorizado, tomou o primeiro
banho esfregando freneticamente a pele com a geleia do balde. Estava confuso,
quase desesperado. Tudo à sua volta parecia estar em completa desarmonia
estética, estrutural, funcional e mais o que fosse.
O negócio que fora resolver
não dera certo e a volta deveria ser abreviada. Alívio! Mas não havia voos para
sair dali antes de cinco dias. Desespero! E as orelhas embranquecendo,
embranquecendo...
Confuso, tentou, em vão,
contato com os seus para avisar o que ocorria. Não obteve êxito. Conexões telefônicas
e internéticas em pane. Aos poucos começou a sentir o corpo indolente, depois,
inerte... E nunca mais se soube dele.
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