AS FUNÇÕES DO PODER
Rui Martinho Rodrigues*
O Poder é uno e indivisível. Tem suas
funções divididas para que não se torne abusivo. O Legislativo define as
escolhas da sociedade que representa. O Executivo deve concretizá-las; tendo
para tanto o consentimento dos governados, dado nas urnas. O Judiciário não é
representativo. Não tem voto. Pode até ser contramajoritário, para evitar o
esmagamento das minorias. O seu papel é promover a paz social, para o que
precisa dirimir conflitos com justiça.
Estas velhas concepções continuam válidas, por serem indispensáveis.
Mas o que é justiça? Trata-se de um
conceito indeterminado. Na prática, o justo é o que corresponde à normatividade
estabelecida pelo devido processo legislativo e previamente conhecida das
partes. Isso é segurança jurídica. O Judiciário não pode legislar por dois
motivos: não tem o consentimento dos cidadãos, pois não foi eleito; não se
ocupa dos fatos antes que se tornem casos concretos. Regras criadas depois dos
fatos surpreendem os cidadãos e destroem a segurança jurídica, sem a qual não
há democracia nem direito algum.
O Judiciário não é um órgão supletivo do
Congresso, para suprir suas omissões. Quando o Parlamento não acolhe uma
demanda por uma lei faz um veto tácito. O Judiciário não tem a prerrogativa de
desfazer o veto do Legislativo.
O público está sendo enganado ao acreditar
que uma decisão do STF é lei. As decisões judiciais alcançam apenas as partes
envolvidas no caso concreto, sem a generalidade da lei. A prerrogativa do STF é
de legislar apenas negativamente, retirando do ordenamento jurídico as normas
inconstitucionais, sem criar novas leis, o que seria legislar positivamente.
Aliás,
o STF abriu a caixa de Pandora ao criar a “interpretação conforme” (...a
vontade do STF), que permite interpretar a Constituição contrariamente a
literalidade do texto, sem embargo da clareza da matéria, alegando conformidade
com os princípios positivados na Carta Magna.
Mais doutos do que a maioria dos cidadãos,
apoiados pelos intelectuais e artistas, os juristas, todavia, não são mais
sábios nem mais virtuosos do que o homem médio. Erudição não é sabedoria nem
virtude moral. Os problemas valorativos debatidos hoje não se resolvem mediante
juízos de realidade, mas por juízos de valor, campo no qual todos nos nivelamos
pelo não saber.
Esta espécie de questão se resolve pelo voto,
não pelo parecer de “reis filósofos”.
A revolta das massas, apoiando lideranças
extravagantes, resulta da imposição de valores pelos “engenheiros sociais”.
O combate à corrupção é necessário e
oportuno. As garantias individuais, porém, não devem ser atropeladas. A maior
delas é a validade do que está escrito na Constituição. A presunção de
inocência, depois de um julgamento do segundo grau de jurisdição, embora ainda
caiba recurso, fere desnecessariamente a CF/88. Basta que se restrinja a
admissibilidade dos recursos procrastinatórios e os considere litigância de
má-fé, cominando-se pena.
O
eminente ministro Celso de Melo está certo, em sua decisão contrária ao acórdão
do STF determinando prisão após condenação em segunda instância, sem o trânsito
em julgado do processo. A decisão que ele contrariou, não foi transformada em
súmula vinculante. Nenhum juiz é obrigado a segui-la. E ainda que tivesse tal
natureza, os ministros do STF não são obrigados a segui-la, para que Tribunal possa
reformar suas próprias decisões.
COMENTÁRIO:
Esse artigo do Prof. Rui Martinho Rodrigues é uma pequena
maravilha, “das klein wunder”, como diriam os alemães sobre o automóvel
DKW.
É uma aula compacta de OSPB, a surpreender, em
linguagem simples, com noções preciosas e concisas, mesmo as pessoas mais letradas, às
quais esses conceitos jurídicos e políticos ainda fogem inteiramente.
A difícil tarefa de regular a
convivência, da forma mais urbana e mais justa, necessidade essencial a um ser
gregário e pensante como o homem, tem criado e mantido fórmulas erráticas,
ainda que necessárias, à falta de perfeitas soluções.
“A
democracia é a pior
de todas as formas de governo, excetuando-se as demais ”, teria
afirmado o grande político inglês Winston Churchill, com fina ironia, na
linha do que aqui estou afirmando.
Sim. A ideia de representatividade
popular por meio de eleições remonta a Grécia Antiga, quando um pequeno grupo de
cidadãos se reunia numa praça (ágora), enquanto os mais bem falantes se vestiam
de branco (cândidos – brancos – candidatos) e subiam numa pedra para convencer
os demais de suas virtudes, da justeza de seus raciocínios, da lisura de suas
intenções, para assim vencer as eleições.
Ora, isso funcionava bem naquela
época remota, ainda funcionaria nas tribos, nas pequenas urbes, nas associações
de indivíduos, mas é lógico que num universo astronômico de pessoas que compõem
uma nação moderna, com as engrenagens de uma máquina política, financeira e
midiática funcionando, esse método se torna uma caricatura imperfeita daquilo
que os gregos inventaram no passado, que para eles era ótimo, mas que para o
mundo demograficamente denso e globalizado não passa de uma maneira falsamente
republicana de tocar a sociedade.
Ninguém conhece de fato as pessoas
em que vota e que elege, as quais, uma vez no poder, não representam de fato o
bem comum, mas apenas atendem mal e porcamente a anseios paroquiais dos grupos
isolados que lhes compõem o eleitorado. A meta primacial de cada um dos
políticos é se manter no poder, é perpetuar o seu partido com o cetro
decisório, jamais promover o bem geral.
Grosso modo, candidato se elege
quando obtém os votos de metade, mais um, dos eleitores. Quem garante que a
metade (mais um) dos vencedores tinha razão quanto ao candidato mais capaz e
mais probo, para administrar a coisa pública, para fazer leis, para regular a
vida de todos? Quem disse que é justo que a metade de votantes sofra por todo
um mandato a administração que não quer, e que não escolheu?
A liberdade de expressão, "verbi grantia", já de há muito
preconizada pelos defensores da imprensa livre, e agora globalizada e desvairada
pela Internet, ao difundir coisas malignas as dissemina como vírus – ou alguém discorda
que a sequência de maldades do Estado Islâmico, amplamente divulgada, estimula
malucos do mundo todo a chacinar os circunstantes?
O noticiário (que pelos cânones
democráticos não pode ser censurado), todo dia fornece aos bandidos de plantão
informações que lhes são valiosas sobre os planos das polícias, e lhes dá aulas
sobre como praticar crimes, ao descrever com minudência os métodos ilícitos
adotados por outros, os locais em que a segurança está precária, as
fragilidades sociais. Pensando em denunciar, aos bons, os males sociais, a
mídia, não raro, os agrava. Mas nenhuma recomendação que restrinja a informação
pode ser feita, segundo princípio democrático basilar. Então, temos a
democracia, contra ela mesma.
Também me parece relativo o entendimento – não somente do culto professor
Rui, mas de todo o "establishment" acadêmico, que ele apenas repercute e abona, no sentido de que:
“Mais doutos do que a maioria dos cidadãos, apoiados pelos
intelectuais e artistas, os juristas, todavia, não são mais sábios nem mais
virtuosos do que o homem médio. Erudição não é sabedoria nem virtude moral. Os
problemas valorativos debatidos hoje não se resolvem mediante juízos de
realidade, mas por juízos de valor, campo no qual todos nos nivelamos pelo não
saber”.
Realmente os
mais doutos, mais cultos, mais letrados, não são por isso, necessariamente,
mais honestos. Mas são mais informados do passado, manancial de saber que se
reflete no presente, e para o futuro. Eles são mais “exemplados”, porque
absorveram, pela leitura, pela pesquisa, pelos estudos, a experiência do mundo
acumulada. Conhecem as condutas humanas já testadas, a reflexão valiosa dos
grandes pensadores, as vertentes filosóficas mais bem sucedidas ao longo da
história, as grandes derrocadas humanas em todos os tempos. Portanto, podem
melhor antecipar consequências e prevenir males, ao definir suas condutas e ao conduzir os estamentos.
A propósito
disso, se os próceres do Partido dos Trabalhadores fossem cultos, e não apenas
bravos militantes políticos e eficientes agitadores sociais, ao conquistarem o
poder não teriam cometido tantos erros administrativos, velhos e crassos, de grave
paralaxe ideológica, já tentados e punidos tantas vezes durante a trajetória
humana, que ignoravam totalmente. "Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". Pensando eles estar inventado a roda, levaram
o País à bancarrota e se expuseram às tenazes da Justiça, fazendo a história repetir-se
como tragédia, e como farsa.
Reginaldo
Vasconcelos
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