AINDA A SECA
Rui Martinho Rodrigues*
Vivemos mais um ano de um longo
período de secas. Estamos em um semi-árido situado nos trópicos, circunstância
agravante, única no mundo. Somos também o semi-árido densamente povoado. A
elevada densidade demográfica agrava a vulnerabilidade às irregularidades
climáticas, problema resultante do sucesso no combate aos efeitos das secas. A
concentração populacional se deve, em grande parte, a ação do DNOCS,
construindo reservatórios que ofereceram água para o consumo humano e animal,
proteína animal do pescado e, em anos mais recentes, propiciando irrigação.
A crítica de estudiosos paulistas, que
designaram ironicamente a construção de reservatórios como “solução
hidráulica”, criticando ainda, equivocadamente, as “obras contra a seca”, propondo
convivência com escassez de chuvas, ao invés de combate ao fenômeno natural,
não procede. A captação do precioso líquido não é solução para todos os
problemas. A água é indispensável a permanência da população no sertão.
Possibilita o abastecimento humano e animal. Não se abandona uma providência
por não ser uma solução para todos os problemas. Soluções parciais são úteis e
necessárias.
A expressão “obras contra as secas”
não significa combate ao fenômeno climático, mas aos seus efeitos. Longas
expressões são abreviadas com a supressão de algumas palavras, sem perder o
sentido para quem conhece o assunto. Assim é que a expressão “de cujos”, usada em direito das
sucessões, não tem sentido para quem não sabe que originalmente dizia-se “aquele
de cuja sucessão se trata” (de cujus
hereditate agitur); habeas corpus era “dá-me o direito e tenha (ou ande com)
o corpo”, foi reduzida simplesmente para “tenha o corpo”. Não sabem os
intelectuais ler o sentido lógico de “obras contra [os efeitos] das secas?”.
A densidade demográfica, embora
represente um problema em face da aridez da região, é um desafio decorrente de
um êxito, que foi a oferta de condições para a permanência da população no
sertão, palavra que resulta da corruptela de desertão. A caatinga é quase um
deserto.
A construção de novas barragens está
chegando ao limite além do qual pode haver deseconomia de água pelo
represamento. O espelho d’água das represas amplia a evaporação limitando o
volume a ser represado na proporção do volume recebido pelos reservatórios.
O Castanhão, em quem se depositaram
todas as esperanças para o abastecimento da Grande Fortaleza, de várias cidades
e irrigação, está secando, apesar da enorme capacidade de acumulação do açude
aludido. Trata-se de um reservatório cuja configuração é descrita como “prato”,
por terem grande espelho d’água em relação à acumulação, fato que propicia
grandes perdas por evaporação. Some-se à configuração imprópria para um
reservatório em região de grande insolação e fortes ventos propiciadores de
grande evaporação, à localização sobre uma falha geológica e temos uma evidente
falha de planejamento. Nem é preciso falar na rachadura, pertencente à execução
da obra, fato que certamente deixa as cidades a jusante do açude insones, em
anos chuvosos.
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