sábado, 27 de agosto de 2016

ARTIGO - Ainda a Seca (RMR)

AINDA A SECA
Rui Martinho Rodrigues*


Vivemos mais um ano de um longo período de secas. Estamos em um semi-árido situado nos trópicos, circunstância agravante, única no mundo. Somos também o semi-árido densamente povoado. A elevada densidade demográfica agrava a vulnerabilidade às irregularidades climáticas, problema resultante do sucesso no combate aos efeitos das secas. A concentração populacional se deve, em grande parte, a ação do DNOCS, construindo reservatórios que ofereceram água para o consumo humano e animal, proteína animal do pescado e, em anos mais recentes, propiciando irrigação.

A crítica de estudiosos paulistas, que designaram ironicamente a construção de reservatórios como “solução hidráulica”, criticando ainda, equivocadamente, as “obras contra a seca”, propondo convivência com escassez de chuvas, ao invés de combate ao fenômeno natural, não procede. A captação do precioso líquido não é solução para todos os problemas. A água é indispensável a permanência da população no sertão. Possibilita o abastecimento humano e animal. Não se abandona uma providência por não ser uma solução para todos os problemas. Soluções parciais são úteis e necessárias.

A expressão “obras contra as secas” não significa combate ao fenômeno climático, mas aos seus efeitos. Longas expressões são abreviadas com a supressão de algumas palavras, sem perder o sentido para quem conhece o assunto. Assim é que a expressão “de cujos”, usada em direito das sucessões, não tem sentido para quem não sabe que originalmente dizia-se “aquele de cuja sucessão se trata” (de cujus hereditate agitur); habeas corpus era “dá-me o direito e tenha (ou ande com) o corpo”, foi reduzida simplesmente para “tenha o corpo”. Não sabem os intelectuais ler o sentido lógico de “obras contra [os efeitos] das secas?”.

A densidade demográfica, embora represente um problema em face da aridez da região, é um desafio decorrente de um êxito, que foi a oferta de condições para a permanência da população no sertão, palavra que resulta da corruptela de desertão. A caatinga é quase um deserto.

A construção de novas barragens está chegando ao limite além do qual pode haver deseconomia de água pelo represamento. O espelho d’água das represas amplia a evaporação limitando o volume a ser represado na proporção do volume recebido pelos reservatórios.

O Castanhão, em quem se depositaram todas as esperanças para o abastecimento da Grande Fortaleza, de várias cidades e irrigação, está secando, apesar da enorme capacidade de acumulação do açude aludido. Trata-se de um reservatório cuja configuração é descrita como “prato”, por terem grande espelho d’água em relação à acumulação, fato que propicia grandes perdas por evaporação. Some-se à configuração imprópria para um reservatório em região de grande insolação e fortes ventos propiciadores de grande evaporação, à localização sobre uma falha geológica e temos uma evidente falha de planejamento. Nem é preciso falar na rachadura, pertencente à execução da obra, fato que certamente deixa as cidades a jusante do açude insones, em anos chuvosos.

É como penso, na condição de leigo na matéria.


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