sábado, 13 de agosto de 2016

CARTA - Carta a Dona Yolanda (LA)


CARTA A DONA YOLANDA
Por Lúcio Alcântara


O médico Lúcio Gonçalo de Alcântara, ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Estado, ex-senador da República, é hoje membro titular da Academia Cearense de Letras e Membro Benemérito da Academia Cearense de Literatura e Jornalista. Seguiu exatamente o exemplo de seu pai Valdemar, também médico e político, hoje falecido, também ex-governador.

Compondo a mesa da Sessão da Saudade de Dona Yolanda Queiroz, na noite do último dia 11 de agosto, no Palácio da Luz, para lhe fazer a esperada saudação póstuma, Dr. Lúcio leu cópia de uma carta que lhe escreveu, cujo original lhe enviou no ano passado, agradecendo e comentando o livro de memórias que ela mesma publicou e a ele dedicara um exemplar.

Feita a leitura da carta em plenário, o Presidente da ACLJ, Reginaldo Vasconcelos, solicitou que Dr. Lúcio disponibilizasse o seu teor para publicação neste Blog, qualificando-a de uma bela crônica, lavrada na mais genuína prosa poética, de viés memorialístico. Referida missiva está abaixo expressis vebis:     





Cara  D. Yolanda,

Há meses recebi com dedicatória à Maria Beatriz e a mim um exemplar de “Momentos”, o livro de sua vida. Era minha intenção, após lê-lo, agradecer a gentileza da remessa, providência que foi sendo adiada em função do acúmulo de tarefas intelectuais, demoradas ausências de Fortaleza e por último a enfermidade que a acometeu, da qual felizmente a senhora se recuperou. Foi mais uma provação de algumas que a vida lhe deu, a confirmar sua inabalável fortaleza de espírito e a fé em Deus que sempre a acompanhou. Em sensível linguagem coloquial a senhora narra passagens de sua vida que de alguma forma retratam um pouco do ambiente familiar e da sociedade de uma Fortaleza que há muito deixou de existir. Fiquei conhecendo mais de sua personalidade alegre, participativa, solidária e resoluta, características que lhe permitiram convivência hábil e amorosa com o gênio impetuoso, criativo, do grande empreendedor que foi o Edson e na sua dolorosa ausência sucedê-lo com sucesso. Exerceu a liderança com a serenidade corajosa dos que tem consciência das obrigações a cumprir. Gostei de saber da forma como a senhora dividia com o marido estudos e sonhos que geravam novos negócios e da participação decisiva que teve para que se efetivasse o Diário do Nordeste e a UNIFOR. Em relação à esta última, contribui para sua consolidação quando secretário de saúde do estado (1975-1978) propus ao Chanceler a parceria para criar o NAMI em encontro num sábado pela manhã no escritório do edifício Butano, à Rua Major Facundo. Foram muitas e importantes as realizações de Edson, mas a UNIFOR foi a que lhe abriu as portas da história. Guardo dele o convívio alegre, o entusiasmo transbordante de vida nas reuniões das manhãs de sábado, com freqüência estendidas até sua casa, onde éramos acolhidos por sua fidalga presença.

Como a senhora, cultivo a memória e gosto de guardar lembranças de época, família, viagens, representações materiais de afetos e passagens que o tempo não extingue. Por isso apreciei o trecho do livro que fala de sua vivência na Praça do Carmo e arredores. Nos primeiros anos da década de 50 estudei no Ginásio Farias Brito, que ficava na esquina da Rua Major Facundo com Avenida Duque de Caxias. Praça arborizada, cercada de casarões onde viviam famílias que gozavam do ambiente ameno que uma cidade pacata permitia. Meus pais tinham o costume de fazer visitas aos domingos, acompanhados dos filhos. Visitávamos, entre outras, as casas de Parsifal, na Avenida Santos Dumont; Osiris, na Rua Antonio Pompeu; Chico Ponte, na Praça do Carmo, pelo lado da Rua Barão do Rio Branco, uma casa ampla, com muitas janelas na fachada. Na esquina ficava a clínica do doutor Façanha, onde vim parar um sábado à tarde para, como se dizia então, “encanar” um braço, resultado de uma queda de lambreta.

Louvo a decisão da senhora de publicar o livro, algo mais que uma mera narrativa familiar, um singelo depoimento sobre a economia e uma cidade em transformação. A grande história se faz a partir dos fatos do cotidiano, assim como um painel vistoso se constitui desde pequenas imagens.

Rendo minha homenagem e da minha mulher à sua discrição laboriosa e eficaz atributos sensatos que ornam sua pessoa a quem a sociedade cearense muito deve.

Lúcio Alcântara
02.05.16

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