segunda-feira, 8 de agosto de 2016

ARTIGO - A Atualidade da Democracia (RMR)

A ATUALIDADE DA DEMOCRACIA
Rui Martinho Rodrigues*


A dimensão territorial e demográfica é obstáculo para a democracia? Na Grécia antiga, em cidades pequenas, excluídos menores, mulheres, estrangeiros e escravos, reuniam-se os cidadãos e decidiam problemas comuns. Valia mais a oratória que a razoabilidade.

A democracia era direta, mas passou a ser indireta. Não reúne a população para decidir. Nomeiam-se representantes para este fim, os quais legislam com fundamento em juízo de valor, que têm natureza política. A função legislativa, por ser fundada em valores, não exige concurso público. A conformidade das condutas em relação às leis é juízo de realidade. Exige concurso ou notório saber jurídico, por ser técnico. Cabe ao judiciário.

Na política, representantes distanciam-se dos representados. Mas a solução não é transferir a atividade legiferante para a magistratura. A falta de representatividade do parlamento está no particularismo de interesses, degenerando em desvio de finalidade. A representação de valores, contudo, permanece: é a conexão eleitoral. Deputados não votam contra os valores populares; não descriminalizaram o aborto; não legislaram sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo. Agiram assim, mas para não perder votos. Isso é democracia; é prevalência da vontade popular; é representatividade. A infidelidade está nos interesses, não nos valores. Interesses são complexos. Nem todos sabem como defendê-los. Valores são convicções, nivelam a todos pelo não saber socrático: só sei que nada sei, e nem bem disso sei.

Não devemos confundir os juízos de fato, amparados na ciência, com as convicções axiológicas. Por isso os doutos não são mais sábios que o homem médio. Intelectuais erram muito. Técnicos altamente qualificados, operando nas bolsas de valores, podem seguir irracionalmente o efeito manada. A comunidade científica nunca entendeu uma ideia radicalmente inovadora. Galileu Galilei não conseguiu se fazer entender pelos mestres. Giordano Bruno acabou na fogueira. Pasteur por pouco não foi trancafiado num hospício. Freud foi expulso do Conselho de Medicina. As bobagens lombrosianas seduziram os doutos.

A história da ciência é um cemitério de equívocos. Max Planck disse: a Física só avança quando morre uma geração de físicos. Acrescente-se: porque não conseguem entender uma ideia radicalmente nova. A racionalidade não impera de modo indiscutível. O PT cometeu graves erros, sendo a agremiação dos intelectuais e dos clérigos, demonstrando que nem o intelectualismo nem o moralismo farisaico sinalizam superioridade moral ou clarividência.

Intelectuais tendem a agir como rebanho. Seguem o modelo do dia: realismo, romantismo, modernismo. O engajamento afasta o senso crítico, enseja erros grosseiros, como as doutrinas citadas. Acumular no STF as funções judicante e legiferante é um erro. Os magistrados têm a mesma falibilidade dos parlamentares, sem ter a representação política. Democracia não é só votar. É também segurança jurídica. O povo não entende as questões técnicas, tais como o modelo tributário ou matriz energética. Mas precisa saber o que é permitido ou proibido e qual é a pena para o proibido: eis o coração da democracia.

Quando o STF muda o significado indiscutível do que está escrito, não temos segurança jurídica. O direito positivo diz com toda clareza: é ilegítimo prender antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. Fere as garantias fundamentais que o STF diga o contrário, salvo quando presentes os pressupostos da prisão cautelar.




  COMENTÁRIO:


O Professor Martinho sabe tudo, porque tem grande conhecimento acumulado. Leu dos gregos antigos aos alemães contemporâneos, conhece os cânones teológicos e a lógica dos ideólogos modernos. Como jurista, domina o ordenamento jurídico brasileiro e os princípios gerais do Direito, que são universais.

Ademais, tem ele uma capacidade excepcional de memorizar conceitos e de analisá-los profundamente, cotejá-los uns com os outros, conjuminando o pensamento universal, para fazer a síntese mais lógica de como as coisas são, e de como deveriam ser.

Está, portanto, perfeitamente correto nas explanações que faz em seus artigos, inclusive este e o anterior, que também comentei, ambos sobre o poder político, sobre o estado, sobre a república, sobre a democracia, sobre a moral e a ética públicas.

Então, não discordo dele, mas, às vezes, daquilo que ele estudou e que preconiza, porque o meu raciocínio pessoal é excêntrico e exótico. Não parte das bases estabelecidas pelos grandes pensadores, pacificadas pelo pensamento acadêmico, aceitas pelo establishment ocidental, consagradas nos códigos normativos gerais, bem como fixadas nas leis positivadas.

Por exemplo, há definições filosóficas complexas de ética e de moral, justificando compêndios a respeito, formando expertos e professores na matéria. Mas, no meu entender, moral e ética têm a mesma acepção, com uma única variação semântica, já que esta última, a ética, tem cunho objetivo, enquanto a moral reside na subjetividade.

Para mim, é imoral o que está inadequado ao bom relacionamento social, conforme subliminarmente admitido ou consensuado como pertencente ao âmbito dos mais nobres sentimentos, em oposição aos institutos bestiais do ser humano. Costuma ter forte relação com as profissões religiosas e com o espiritualismo em geral.

Antiético, entretanto, é tudo o que quebra compromissos firmados, tácita ou expressamente, implícita ou explicitamente, e por isso independe de opiniões, mas obedece a uma escala hierárquica de importância, já que os pactos sociais se sobrepõem como as camadas das cebolas. E as normas jurídicas não fogem desse conceito, como suprema preitesia social.   

Por exemplo, há uma tribo polinésia cuja antiga tradição rezava, de maneira aceita e pacífica, que o primogênito adulto assassinasse o velho pai, para assumir a liderança da família. Essa conduta, para nós, seria amoral, e, por isso mesmo, foi abandonada, por influência civilizatória.  Mas não se pode dizer daqui que essa velha prática fosse aética, porque fazia parte do que se convencionou naquela especifica etnia, que a adotou durante milênios.      

Faz-se também um grande culto aos chamados “juízos de valor”, em oposição aos “juízos de realidade”, sem se determinar em que postulados tais valores se originam. Ora, o valor advém do patrimônio afetivo e estético das pessoas, que se compadecem de uma gama de aspectos da vida, com os quais se identificam e que passam a valorar positivamente – pela genética, pela gestáltica, por influência interpessoal, pela experiência grada, por mera convivência.

Caso os avós italianos de Jorge Mário Bergoglio tivessem emigrado para o Nepal, e lá ele houvesse nascido e se criado, ele teria hoje uma moral diversa, um conjunto de valores diferentes, uma ética obediente a outras normas, estranhas àquelas que defende como Papa Francisco, seguindo os preceitos lamaistas do budismo, naquela hipótese do exemplo – embora saibamos que tanto ele quanto o Dalai Lama, e os seus atuais seguidores recíprocos, coincidam no sentimento pacifista e no mais ecumênico irenismo.

Por fim, entendo que os cultos e os doutos sejam mais aptos ao exercício do poder porque têm mais informações sobre a senda histórica dos povos, sobre os mecanismos sociais bem sucedidos, sobre os acertos filosóficos, sobre as erronias abismais dos ideólogos notórios, que os desinformados ainda pervagam. Nada supera a isotimia, que forma as “justas elites”, com os “meritórios privilégios” que a  meritocracia lhes garante.  

Os que dominam o saber e as ciências erram, sim, porque adotam o método evolutivo de tentativa e erro, porém acertam muito mais, de modo que o saldo é positivo. Foram eles que desenvolveram o automóvel e o avião, o antibiótico e o telefone, o anticoncepcional e o viagra, a energia elétrica e a anestesia, a televisão e a informática, para referir apenas a sua produção de maior apelo popular.

Reginaldo Vasconcelos

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