segunda-feira, 22 de junho de 2015

CRÔNICA (WI)

A MANCHETE NOSSA DE CADA DIA

O trabalho de geniais jornalistas

Wilson Ibiapina*

Machete de jornal, chamada de primeira página, não tem nada mais difícil. Tem toda uma métrica, obedece o número de colunas, de batidas. Era assim antes do computador. Mas mesmo com o advento da informática, continua trabalho de bamba.

Geralmente é a última tarefa para se fechar uma edição. A oficina toda esperando o primeiro caderno. A pressão não é pequena. O mancheteiro tem que ter poder de síntese, ser criativo e rápido. Alguns jornalistas se especializaram em fazer manchetes, tarefa que é cumprida, na maioria dos jornais pelo chefe de redação. É sempre ele com a ajuda dos editores que titulam a primeira.

Lembro que no Ceará, o Felizardo Mont’Alverne, chefe de redação do Correio do Ceará, principal vespertino dos Diários Associados no Estado, tinha prazer em fazer as manchetes. São dele: “Delfim tranquiliza Plácido com o Fundo”. O governador Plácido Castelo reclamava da falta de dinheiro e o Ministro da Fazenda dizia que ia liberar verbas do Fundo de Participação dos Estados. “Mulher nua, morta a pau”; “Todo fumante morre de câncer, se outra doença não matar primeiro”.

O Rangel Cavalcante lembra outras: “Saram as Cicatrizes da Guerra”; “Fechado o PCB da Grécia”, e o PCB era o Parido Comunista Brasileiro. O Bichão, como era conhecido, ficou famoso pelas manchetes que serviam para abastecer a coluna do Stanislaw Ponte Preta, na Última Hora do Rio.

E por falar em Última Hora, conta a lenda que Samuel Wainer, seu dono, estava uma noite numa boate com um grupo de mulheres e resolveu cantar marra, se exibir, fazer farol. Pediu e o garçom trouxe o telefone. Quase cinco metro de fio se estendendo pelo salão, pois era antes do sem-fio e do celular. Ligou pra redação e perguntou qual a manchete do dia seguinte. O Secretário de Redação: “Pegou fogo o Maracanã”. E ele, quase gritando, mais para ser notado pelas moças do que para ser ouvido pelo Secretário: “Não, essa não. Coloca aí: Pegou fogo o Maracanã’’.

Dizem que o grande mancheteiro da imprensa brasileira foi Carlos Eiras. Fez escola no antigo Diário da Noite. Seus seguidores se espalharam pelo país.

O ator e diretor de teatro Aderbal Freire lembrou de duas manchetes do tempo em que era rapazinho em Fortaleza e que nunca esqueceu. As duas, pensa ele, d’O Estado. Seriam do Odalves Lima, primo do Fernando César Mesquita, “inspirado pelas cervejas (penduradas) nas madrugadas do bar do teatro José de Alencar, ao lado da redação, eu de dono, caixa, garçon e consumidor solidário”. O bar chama-se “Bach Chopin” e as manchetes são: Uma, quando morreu aquele Papa que só durou um mês: “O Papa morreu de novo”. Outra, na página policial, legendando uma foto de Santa Bárbara, quando a igreja cassou a santa: "Passava por santa".

Rangel Cavalcante escreveu reportagem denunciando que as camionetas peruas, contrabandeadas para o Ceará, estavam escondidas no sitio de Edmilson Pinheiro.  Alencar Monteiro fez a manchete para “O Jornal”, do Bonaparte P. Maia: “As Peruas Fizeram Ninho À Sombra dos Pinheiros”.

O Desembargador e escritor Durval Ayres Filho conta que o jornalista Dedé de Castro, depois de beber cerveja adulterada (restos dos líquidos que ficavam nas garrafas eram recolhidos e serviam para engordar outros frascos, antes de sua reinsersão na geladeira ) e sabendo que a polícia sanitária iria interditar o estabelecimento, dada a horrível situação de higiene na cozinha, local preferido de ratos e baratas, soltou essa: RESTAURANTE O GERBOUX UM PRATO PARA FISCAIS. O bar do Gerboux ficava ao lado da antiga TV Ceará e era frequentado por jornalistas e radialistas.

Nos anos 50, no auge da guerra fria, o jornalista Durval Ayres era secretário do Jornal O Democrata, de orientação marxista e o diretor era o saudoso Aníbal Bonavides. Durval Filho recorda que o pai dele, sem qualquer notícia ou fato importante para ser destacado naquele dia, soube que, em Missão Velha, um velho e conhecido comunista, porém, um provocador contumaz, desordeiro de marca maior, dado a intimidade com duas coisas bem inflamáveis: o livro de Marx que ele usava como um bíblia (inclusive com direito a pregação) e a cachaça do Cariri, havia sido preso pelo delegado local. Não deu outra: “ZÉ CADETE PRESO POR ORDEM DE TRUMANN”.

Mancheteiro famoso foi o Santa Cruz. O jornalista Pedro Rogério, que trabalhou anos na imprensa carioca, diz que Santa Cruz revolucionou o O Dia, do Rio, com manchetes policiais: “Cortou o mal pela raiz”, a história da mulher que castrou o marido que lhe traía. “Matou a família e foi ao Cinema”, depois, virou até filme. 

O padre prefeito aumentou o preço da carne e ganhou manchete: “Padre não resistiu à tentação da carne”. Comeu cachorro quente e teve dor de barriga: “Cachorro faz mal a moça”, num tempo em que “fazer mal” a uma moço era seduzi-la e lhe tirar a virgindade. Uma matéria no Notícias Populares contava que na final do 3º Festival da Record, em 1967, o público vaiou o cantor-compositor Sérgio Ricardo durante toda a interpretação de "Beto Bom de Bola". O cantor gritou descontrolado "Vocês ganharam!", depois quebrou o violão e o atirou na platéia, a manchete foi: “Violada no Auditório”.

Outro mancheteiro que marcou seu nome foi Adriano Barbosa. Segundo ainda o Pedro Rogério, ele era responsável pelas manchetes policiais de Ultima Hora e de O Globo.

O cantor Roberto Carlos, no ano de 1968, tinha o programa Jovem Guarda na TV Record – Um dia, o diretor da TV Paulo Machado de Carvalho disse a um repórter do jornal Notícias Populares que não sabia onde estava o Rei. Na redação Mellé fez a manchete: "Roberto Carlos deixa a Record". Diante dos protestos de fãs e da direção da emissora, Mellé soltou outra manchete no dia seguinte: “Roberto Carlos aparece na Record.” O jornal vendeu mais de 20 mil exemplares.

Hoje o apelo para venda é outro. No lugar da manchete os jornais oferecem carros, viagens, DVDs. As chamadas de primeira página espirituosas que ajudavam a vender jornal sumiram e com elas os jornalistas que faziam manchetes assim: "Nasceu o diabo em São Paulo", "A morte não usa calcinha", "Zé do Caixão vai caçar bebê-diabo no Nordeste", "Mulher mais bonita do Brasil é homem".

Na modernidade, os jornais são muito chatos”. A reflexão é do desembargador e escritor Durval Ayres Filho. Ele acha que hoje os jornais parecem saídos de uma máquina de lavar roupas. A notícia vem limpinha, sem cheiro, alva e parecendo confortável, como na propaganda do sabão em pó na TV. Até o final dos anos 70 e começo dos 80 havia manchetes hilárias, do tipo: "DORMIU BANCÁRIO E ACORDOU BAIANA", sobre a festa anual do movimento gay que se iniciava timidamente, ou, com humor negro, "ADUBAVA BANANEIRAS COM CADÁVERES" sobre uma sucessão de homicídos que um coronel deputado promoveu em seu sítio no Ceará, na Pajuçara.

Os jornais policiais são os que mais exploram as manchetes, mas eles perderam a criatividade, estão mais apelativos: “Padreco sofreu com picadura de zangão”.

Vi os jornais policiais do final do século passado, verdadeira coleção guardada a sete chaves pelo jornalista João Bosco Serra Gurgel: a notícia não tem mais o charme da Luta Democrática, d’O Dia, do Diário da Noite de antigamente. Hoje, chega a ser imoral: “Magricela deu pro gordão e morreu esmagada na cama”. Apelam até na manchete esportiva: “Mengão promete enrabar o Fogão sem usar vaselina”.

Das muitas que lí, nos jornais guardados por JB Serra, só escapou uma. Você sabe que o normal dos suicidas da ponte Rio-Niterói é se jogarem lá de cima. Mas o delegado Almir Pereira preferiu dar um tiro na cabeça. A notícia do dia 29 de outubro de 1991 manchetou: “Atirou em vez de se atirar”.

*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ

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