A CULTURA DO
TER
Paulo Maria de Aragão(*)
Na tela o artista cinzela o sentimento
estético, sensação idêntica despertada pela música e poesia, ao exprimir emoção
criativa do espírito. Em qualquer circunstância, com ou sem liberdade, o desejo
humano se externa em manifestações artísticas polimórficas. Talvez recolha
inspiração na obra singular do “arquiteto” joão-de-barro, construtor da
fantástica morada, esculpida em argila, com bico e pés, símbolo de veneração e
preito à natureza.
O magnata Jorge Soros; Benemerência material. |
Essencialmente, a grandeza material
seduz o frívolo que nasce nu, mas quer morrer no leito da opulência, esquecendo
que o luxo ficará sobre a terra e ele ficará sob ela. Aos olhos do incauto, o
megabilionário do petróleo, dono de Mercedes coberta de ouro branco, é um
bafejado pela felicidade. Igualmente o é aquele que adquire jatos executivos,
helicópteros e iates. Em contraponto a tais realidades, é de se perguntar: e o
modesto lavrador, sem capacidade de consumo, que monta seu burrico, não poderá
ser ditoso?
A vida na sua fugacidade, e se assim
fosse reconhecida, certamente faria o homem mais ético, capaz de praticar a
solidariedade e atos generosos. Mas, entre nós, embriagou-se pela corrupção,
despiu-se do espírito de probidade, de dignidade, de respeito por si próprio. A
moeda abriu caminho.
A batalha pelo ter trava-se a qualquer
custo. Princípios foram abandonados. A virtude da honradez é esquecida. Morre a
fé, enquanto a sociedade, em geral, faz-se dominada pelo TER em detrimento do
SER. A ganância do avarento obceca-o cada vez mais; fazê-lo acreditar em uma
realidade espiritual, pós-morte, eternamente abençoada, é conversa para
inocente dormir. As pessoas perdem a essência, desconhecem-se entre si e usam
máscaras para sobreviver; falsas amizades oscilam como no câmbio paralelo e, de
tão desacreditadas, assumem relevo os liames virtuais.
Os olhos nem tudo veem, como decantou
Exupéry: “Só se vê bem com o coração, o
essencial é invisível aos olhos”. Demonstrando que tudo é fé, Shakespeare
afirmava que a cada dia algo novo é revelado no mundo – são enigmas para
divisar: “Há mais coisas entre o céu e a
terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” – reflexo do absolutamente
nada da condição humana de TER .
* Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira nº 37 da ACLJ
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