segunda-feira, 29 de junho de 2015

ARTIGO (PMA)

A CULTURA DO TER
Paulo Maria de Aragão(*)


Na tela o artista cinzela o sentimento estético, sensação idêntica despertada pela música e poesia, ao exprimir emoção criativa do espírito. Em qualquer circunstância, com ou sem liberdade, o desejo humano se externa em manifestações artísticas polimórficas. Talvez recolha inspiração na obra singular do “arquiteto” joão-de-barro, construtor da fantástica morada, esculpida em argila, com bico e pés, símbolo de veneração e preito à natureza.

O magnata Jorge Soros;
Benemerência material.
Infelizmente, a cultura do ter – apesar de não colher a felicidade – se tornou objeto rentável à produção e ao consumo. Desse modo, no mundo contemporâneo, o drama de Hamlet “ser ou não ser” transfigurou-se para “ter ou ser”. Anulam-se, assim, os dons artísticos naturais, impedindo-os de ascender ao transcendental, enobrecidos que são pela natureza imaterial da imaginação poética.

Essencialmente, a grandeza material seduz o frívolo que nasce nu, mas quer morrer no leito da opulência, esquecendo que o luxo ficará sobre a terra e ele ficará sob ela. Aos olhos do incauto, o megabilionário do petróleo, dono de Mercedes coberta de ouro branco, é um bafejado pela felicidade. Igualmente o é aquele que adquire jatos executivos, helicópteros e iates. Em contraponto a tais realidades, é de se perguntar: e o modesto lavrador, sem capacidade de consumo, que monta seu burrico, não poderá ser ditoso? 

O asceta Mahatma Gandhi;
Benemerência espiritual.

A vida na sua fugacidade, e se assim fosse reconhecida, certamente faria o homem mais ético, capaz de praticar a solidariedade e atos generosos. Mas, entre nós, embriagou-se pela corrupção, despiu-se do espírito de probidade, de dignidade, de respeito por si próprio. A moeda abriu caminho.

A batalha pelo ter trava-se a qualquer custo. Princípios foram abandonados. A virtude da honradez é esquecida. Morre a fé, enquanto a sociedade, em geral, faz-se dominada pelo TER em detrimento do SER. A ganância do avarento obceca-o cada vez mais; fazê-lo acreditar em uma realidade espiritual, pós-morte, eternamente abençoada, é conversa para inocente dormir. As pessoas perdem a essência, desconhecem-se entre si e usam máscaras para sobreviver; falsas amizades oscilam como no câmbio paralelo e, de tão desacreditadas, assumem relevo os liames virtuais.

Os olhos nem tudo veem, como decantou Exupéry: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. Demonstrando que tudo é fé, Shakespeare afirmava que a cada dia algo novo é revelado no mundo – são enigmas para divisar: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” – reflexo do absolutamente nada da condição humana de TER .


* Paulo Maria de Aragão 
Advogado e professor 
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira nº 37 da ACLJ

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