sexta-feira, 12 de junho de 2015

CRÔNICA (VM)


MALINAÇÕES EM PLENO EXPEDIENTE
Vianney Mesquita*

A ociosidade é a mãe de todos os vícios. (Dito lusitano).

A ociosidade é a mãe de todos os vices.(Paródia do Mons. Francisco SADOC DE ARAÚJO. Sobral, 17.12.1931).

De certa feita, abri a porta da Vice-Reitoria da Universidade Federal do Ceará, com o fito de cumprimentar, no modo ordinário de fazer, o então vice-reitor e meu amigo, Professor Ícaro de Sousa Moreira, hoje na Casa do Pai. Eis que, por mim inesperado, esse atilado arturo-scottiano dirigia uma “távola retangular” com umas quinze ou mais autoridades acadêmicas. Só depois, soube que o reitor, Professor Renê Teixeira Barreira, estava de viagem. Escabriado, ía fechando, quando ele disse:

– Entre, professor. Quer alguma coisa?

– Não. Apenas cumprimentá-lo. E a todos.

Então, para não passar batido, fiz esse comentário: 

– Magnífico: você está desdizendo a paródia cunhada pelo Monsenhor Sadoc!

– Qual é a paródia?

A ociosidade é a mãe de todos os vices. Casquinada geral.

Comentada para abrir estas lérias a dita paródia, remeto-me a Folha de Dezembro, saída deste medium no dia 3 mais recente, a fim de recordar o ócio praticado em expediente duro, porém gostoso e saudável, como escriba do Reitor Hélio Leite, coadjutor dos diretores de centros e faculdades, assistente dos pró-reitores, ajudante de docentes e funcionários e, como os portugueses exprimem, acólito “de toda a gente”.

Os dois turnos e meio de intenso trabalho, no entanto, eram de tal modo rentáveis que tive até a ensancha de publicar um livro (1989) – Impressões – Estudos de Literatura e Comunicação, título sugestionado pelo meu amigo, então datilógrafo (eita! Olha a diacronia da Língua!) da Reitoria, o hoje Procurador da UFC, escritor José Edmar da Silva Ribeiro.

Anselmo Frazão (acaba de fazer 90), diretor da Imprensa Universitária, figura alegre, inteligente e acerbo crítico de tudo e de todos, era, a despeito dessas qualidades, um dos cristos. Com o beneplácito do Reitor e a parceria do vice, Professor Raimundo Holanda Farias, enriquecíamos o Prof. Faria Guilherme como proprietário de fazendas e mais fazendas em Goiás, acionista grande da Ferrari, sócio do Jumbo (hoje, Pão de Açúcar) e mais e mais; Vianney Mesquita era nome de rua no São Gerardo, amigo e colega do Ciro Gomes na Faculdade de Direito (verdade); Agerson Tabosa Pinto, meu parente, amicíssimo do Frazão, emérito viajante, privava da companhia de Mohamed Reza Pahlevi, xá do Irã, desde quando os dois se encontraram (1978) em Tabriz e Shiraz; e o Professor Júlio Maria Lima de Araújo levou o Papa João Paulo II para um almoço em sua casa. Em tudo isso ele cria com a maior facilidade!

Um dia veio, remetido pela assessoria do Presidente Fernando Collor de Melo, um livro a respeito do jornalista e político brasileiro Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor, avô do ex-Presidente, com um cartão trazendo a assinatura de punho – autêntica – da mãe de Fernando Affonso. Com ótimo espaço antes da firma de Dona Leda (é), pedi ao dito Edmar para datilografar esse “oferecimento”:

Para o distinto mestre, meu amigo particular, Professor Vianney Mesquita, a fim de que possa apreciar o registro da admirável biografia do meu pai, exemplo a ser seguido por qualquer bom brasileiro. Em Maceió, sempre à disposição. Renovo-lhe minha admiração. Leda.

Nem foi necessário mostrar ao Frazão, pois o volume, dadivosamente à vista sobre minha mesa, foi tascado por ele, que logo o folheou e viu o cartão. Falou, então, para o Sr. José Rodrigues (garçon do Gabinete que passava com a bandeja) apontando para mim: Ei, Zé, um cafezinho aqui pra mim e o futuro reitor!

O feitiço, entretanto, se voltou contra o feiticeiro, num evento do qual jamais descobri a lavra. Guardo, entretanto, a impressão de que teve a arte da professora Joseneide Franklin Cavalcante, de sociedade com o Prof. José Nelson Espíndola Frota, então Pró-Reitor de Extensão, por conta do estilo admirável daquela saudosíssima docente.

Costumava descansar alguns dos meus livros didáticos numa mesinha auxiliar, vizinha da carteira grande, os quais os passantes folheavam à vontade. Tempos depois de deixar a Reitoria, precisei conferir uma citação do Discurso do Método, a fim de forrar o capítulo inaugural do livro Resgate de Ideias – Estudos e Expressões Estéticas, intitulado “Acerca do Conhecimento e do Método”. (1996, pp. 22-44). 

Assim que abri esse excepcional rebento racionalista, li, na folha de rosto, à semelhança do que se vê no bilhete de Dona Leda Collor de Melo, porém em manuscrito por mim desconhecido, com estese caligráfica feminina:
_________________________________

COGITO, ERGO SUM.

Para o célebre regente brasileiro, Professor João Vianney Campos de Mesquita, este mero exercício investigativo, com vistas a conformar a Ciência à pura razão, às compreensões apenas lógicas do conhecimento para expressão da realidade.

Que esta simples diligência perquisitiva lhe aproveite à exaustividade.

Abraço-o com efusão.

La Haie en Touraine, 17 de fevereiro de 1638.


René Descartes”.



*João VIANNEY Campos de MESQUITA é Prof. Adjunto IV da UFC. Acadêmico Titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Escritor e jornalista. Árcade fundador da Arcádia Nova Palmaciana. Membro do Conselho Curador da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura-FCPC-UFC.

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