FOLHA DE DEZEMBRO
Vianney Mesquita*
A memória é carteira da velhice: é preciso enchê-la. (APOLÔNIO DE TIANA – Y15 – †100 d.C.).
Vez
por outra, felizmente, ao contrário de ocorrerem reminiscências tristes, sucede
a rememoração de lances divertidos, o que me faz retroceder e folgar com certas
passagens, pois, quando acontecidas, me tocaram de encanto e quedaram armazenadas
no disco rígido da lembrança.
Quadra
deveras plena de tarefas, porém repleta de contentamento laboral, perfiz de 21
de junho de 1987 a 20 de junho de 1991, tempo de administração reitoral do
Prof. Dr. Hélio Leite, de quem, a convite, fui assessor especial e chefe de
gabinete. Na oportunidade, desenvolvi intensivo labor em atividades adjutórias àquela
Administração da Universidade Federal do Ceará, inserta na história, mercê dos
dividendos que lhe aportaram, não apenas no desenrolar natural da subsistência
institucional, como também no aporte de projetos exitosos na senda acadêmica,
em especial, na exportação do nome da UFC para outros estados, excedendo as
estremas do Brasil.
Equipe
de primeira linha nos diversos escalões institucionais e corpo de servidores da
melhor estirpe a UFC possuía – como se verifica ainda hoje – especialmente no
Gabinete, cujo Chefe, o competentíssimo e saudoso Prof. Antônio Valdinar de
Carvalho Custódio, sabia dirigir com o máximo de empenho e de responsabilidade
funcional.
Ele
e eu éramos obrigados ao mínimo de horas-aulas. Mesmo assim, desempenhávamos ao
maior contento o expediente, nesse tempo ainda bastante burocrático, de sorte a
não haver qualquer folga, sendo necessário, porém, nas mais das vezes, chegar
cedo e sair mais tarde.
Era
grande e prazenteira a movimentação de pró-reitores, diretores de centros,
faculdades e órgãos suplementares, além de, com repetida frequência, pessoas da
comunidade, os quais, antes de serem recebidos pelo Magnífico, ficavam na
antessala, muitas vezes a conversar comigo, ao mesmo passo em que eu realizava
as redações de documentos, os mais sérios quanto hilários temas, que
aproveitávamos para motejos e caçoadas, fazendo
hora com deus-e-o-mundo.
O
Dr. Carlos Henrique Martins Ximenes, ainda hoje na Administração Superior, me
havia repassado uma pecinha vencida de sistema PaBX de telefone, parecendo um
edifício – graciosa, interessante
mesmo, ao ponto de deixá-la como adorno sobre a minha mesa.
Todo mundo que
passava perguntava – O que é
isso? – Eram dezenas, centenas de
vezes, até que decidi datilografar
(ainda tinha curso esse verbo) uma fitinha para pregar na peça com os dizeres: Isto é um relé queimado. O primeiro que
estancou foi o Prof. Dr. Carlos d’Alge, que só teve tempo de fazer meia
pergunta: O que é... E deitou a rir.
Noutra
ocasião, havia chegado – como aportavam à beça – um livro de universidade
estrangeira (Espanha) com programas de graduação e pós, a tinta ainda nova,
exalando um cheiro de cola bastante desagradável.
Estava folheando a brochura,
quando chegou a Professora Joseneide Franklin Cavalcante (Deus a tenha!), então
pró-reitora-adjunta de Extensão, e me perguntou: – Que livro é esse?
Disse-lhe, pois, abrindo o volume ao meio: – Tem um cheiro muito ruim! Ela encostou o nariz e disse: – Horrível! Então falei: – Veja
de onde é... Achando graça, disse: só podia
ser: é da Universidade de Mérida!
De
outra volta, achamos de dar de presente-surpresa de aniversário ao Reitor Hélio
Leite um volume reunindo escritos de sua autoria sobre assuntos educacionais,
que se intitulou, conferido por mim, Educação
– Temas para Refletir, editado pela Imprensa Universitária caseira. Em
visita à I.U., a fim de acompanhar a edição, topei uma folha de castanholeira
imensa, jamais vista. Colhi e postei-a sobre minha carteira de trabalho, sendo
fruto de indagações de quem passava ali.
Dezembro
já era alto e o derradeiro a transitar, às 11h45min (fome grande!) para
adentrar sua sala, vinha da Faculdade de Medicina, após despacho meio conflituoso
com o Diretor – o Prof. Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira – de sorte
que estava meio aborrecido. Era o Reitor Hélio Leite, que foi logo indagando: – Que
folha é essa, tão grande?! – A isso respondi: – É a folha de dezembro. Seguiu, de cara amarrada, até a entrada da
sua porta, lado oposto da sala. De lá, falou: – Vai haver muita demissão aqui! [...].
No
outro dia, o Magnífico retornava do Centro de Humanidades, onde se houve bem no
encontro com o Diretor, Prof. Roberto Oliveira. Havia uma folha pequena, por
mim de estudo trazida e também de Terminalia
catappa, como era a outra. Troçando, logo indagou: – E
essa folha, agora? – Repondi-lhe: –
É a folha suplementar.
Gargalhou
e entrou o Gabinete Reitoral.
Escritor e Jornalista.
Professor adjunto IV da Universidade Federal do Ceará.
Árcade titular e fundador da Arcádia Nova Palmaciana;
acadêmico titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e
Cearense de Literatura e Jornalismo.
Membro do Conselho Curador
da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da U.F.C.
Nenhum comentário:
Postar um comentário