Motivo
Edmar Santos*
“Eu Canto – Quem Viver Chorará” é um álbum de
estúdio do compositor cantor, e instrumentista cearense Raimundo Fagner,
lançado pelo selo CBS em 1978.
/Eu canto, porque o instante existe/
/E a minha vida está completa/
/Não sou alegre nem sou triste, sou poeta/
/Não sou alegre nem sou triste, sou poeta/
/E a minha vida está completa/
/Não sou alegre nem sou triste, sou poeta/
/Não sou alegre nem sou triste, sou poeta/
(...)
Esta música, interpretada pelo cantor e
compositor cearense Raimundo Fagner, que musicaliza uma das inúmeras e belas
obras da poetiza carioca Cecília Meireles, traz em seu bojo a essência de um
modo de existir. A poesia é, dentre tantas outras coisas, uma forma de dizer a
vida.
A existência busca sentido e isso nos
adoece de ansiedade pelo que está por vir, e que nos foge ao conhecimento, ao
controle. O futuro é sempre fonte de incertezas... E como isso é perturbador!
O que considero meu agora pode ser
perdido em instantes; quem vejo agora comigo, em instantes pode deixar-me, como
eu possa também deixar alguém. O segundo do vacilo é sempre o que está à
frente. A poesia nos ensina: /Eu canto, porque o instante existe/. Ele existe e não o dominamos porque
veio do futuro, e chegou e se fez o agora, justamente, o inusitado, o incerto.
Cantar é a resiliência para vivenciar esse instante que agora se faz, enquanto
aguardo o outro que ainda se fará, e assim será por toda a existência.
Futuro, presente e passado, fluem em nós
a despeito de nossa vontade. São parte de um todo que não nos está ao alcance controlar,
e esse todo é o tempo. Contamo-no, no entanto, com tanta imprecisão que apenas
nos conforta saber que fracionamos o claro do dia e o escuro da noite. Tudo
está na efemeridade, que é a mais presente certeza do existir. É nossa parente
desde o nascimento. Por isso afirma à poesia:/ Irmão das coisas fugidias/.
Tudo passa.
Vivo para o viver, e se há um objetivo
para isso, que seja o de amadurecer nessa força motriz que me move, a que se
chama espírito. E alcançar o ápice desse amadurecimento traduz-se no momento em
que eu poder, com clareza e convicção no falar e no agir, dizer:
/Não sinto gozo nem tormento/
/Atravesso noites e dias no vento/
/Se desmorono ou se edifico/
/Se permaneço ou me desfaço/
/Não sei se fico ou passo/
Nesse momento, onde essa consciência se
fizer em mim, morada do meu ser, conduta testemunha de minha personalidade,
estarei eu pronto para o instante que nos é limite do existir, nesse ponto
saberei por que cantar: /Eu sei que eu canto e a canção é tudo/
O meu voar segue no bater das asas que alam minha mente; /Tem
sangue eterno a asa ritmada/, e me leva ao “terceiro céu” onde habita o
dono do tempo.
Canto agora porque minha voz ecoa aos
ouvidos dos que me lembrarão por breve período, enquanto algo de mim se fizer
presente. /E um dia eu sei que estarei mudo, mais nada. / E minha
voz, imaterial como tudo neste mundo, fluirá até esgotar-se.
Show 👍
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ResponderExcluirTexto brilhante, parabéns 👏👏👏👏👏
ResponderExcluirSuas palavras com tanta sabedoria me deixa cheia de orgulho e não é a toa que sempre falo: Mano do meu orgulho.
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