OS CICLOS
DA HISTÓRIA
Rui Martinho Rodrigues*
A política sofre o efeito da disputa cíclica entre Crono e Chronos.
Transformações históricas rápidas modificam os significados. Desorientam. Resignificar
ajuda a sofismar. A filosofia da linguagem e a semiologia da comunicação ensinaram
a influenciar e deram o antídoto contra isso. Ferdinand Saussurre (1847 – 1913)
e Charles Peirce (1839 – 1914) destacaram a natureza do significado, uso e
compreensão da linguagem e de sua relação com a realidade. Aristóteles (385
a.C.– 323 a.C) descreveu os modelos políticos e as respectivas formas
degeneradas. A democracia decadente é demagógica, tem por objetivo manipular e
agradar as massas.
A manipulação modifica o léxico. Designa uma bancada que discute a
segurança pública como bancada da bala. Modifica assim o significado, uso,
compreensão e relação da linguagem com a realidade. Propostas assim designadas
passam a ser torpes por definição, tornando-se o que Immanuel Kant (1724 –
1804) classificou como juízos analíticos indiscutivelmente verdadeiros, tal
como dizer que um círculo é redondo, que por ser apenas definição dispensa
verificação.
A política trata do observável, do verificável, do campo dos juízos
sintéticos. Tratá-la como juízo analítico evita a crítica. Apresentar propostas
assistencialistas como por definição favoráveis aos pobres, sem examinar o
custo que pode recair sobre os supostos beneficiários, nem os desvios que
beneficiam outros destinatários é engodo.
A democracia, governo consentido pelos governados (John Locke, 1632
– 1704) está sendo ressignificada. Norberto Bobbio (1909 – 2004) descreve as gerações
do Direito. A primeira delas, na antiguidade, rei (Estado) dava os comandos
dirigidos aos súditos, como obrigações de não fazer: não mate, não furte. Na
segunda geração os cidadãos davam comandos para o rei diziam: não prenda sem
culpa formada, não cobre impostos sem previsão legal. Na terceira geração o
comando dos cidadãos deu ao Estado obrigações de fazer: dê bem-estar, com
limite na reserva do possível.
A demagogia se afasta da reserva do possível. Alega que as
propostas formuladas não afetam o equilíbrio fiscal ou que tal equilíbrio é
dispensável. Origina debate econômico incompreensível até para a maioria dos
intelectuais. Apresentar direitos potestativos, que não têm exigibilidade
contra terceiros, com direito sinalagmático, exigível contra terceiros é errado.
Liberdades negativas são direitos potestativos. O direito exigível de terceiros
nasce de um crédito adquirido por uma prestação dada, como no contrato de
trabalho o salário é um crédito condicionado a obrigações recíprocas. O
bem-estar não é direito potestativo.
O Estado social toma de empréstimo a teoria da hierarquia das necessidades
(Abraham Harold Maslow, 1908 – 1970). Estabelece certas necessidades como direito
exigível tendo a sociedade como devedora. Surge o debate sobre a alocação do citado
débito. O custo acaba se transferindo para os supostamente beneficiados. O
bem-estar patrocinado pelo Estado, sem base na produtividade e na
compatibilidade com o investimento gera expectativas falsas e é poderoso
atrativo de votos. É um conceito indeterminado, nunca se satisfaz. É a
decadência da democracia.
Confundir igualdade perante a lei com igualdade na lei é parte da
confusão semântica. A expansão do conceito de bem público, “legitimando”
regulamentação e criminalização de condutas faz parte da decadência da
democracia. Proibir saleiros sobre a mesa em restaurantes, tutelando o cidadão
assim interditado como incapaz, é exemplo disso. A censura como defesa da
democracia é outro sofisma. A França proibiu a revisão histórica do nazismo. Demagogia
liberticida.
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