terça-feira, 23 de junho de 2020

ARTIGO - Os Ciclos da História (RMR)

OS CICLOS
DA HISTÓRIA
Rui Martinho Rodrigues*



A política sofre o efeito da disputa cíclica entre Crono e Chronos. Transformações históricas rápidas modificam os significados. Desorientam. Resignificar ajuda a sofismar. A filosofia da linguagem e a semiologia da comunicação ensinaram a influenciar e deram o antídoto contra isso. Ferdinand Saussurre (1847 – 1913) e Charles Peirce (1839 – 1914) destacaram a natureza do significado, uso e compreensão da linguagem e de sua relação com a realidade. Aristóteles (385 a.C.– 323 a.C) descreveu os modelos políticos e as respectivas formas degeneradas. A democracia decadente é demagógica, tem por objetivo manipular e agradar as massas.

A manipulação modifica o léxico. Designa uma bancada que discute a segurança pública como bancada da bala. Modifica assim o significado, uso, compreensão e relação da linguagem com a realidade. Propostas assim designadas passam a ser torpes por definição, tornando-se o que Immanuel Kant (1724 – 1804) classificou como juízos analíticos indiscutivelmente verdadeiros, tal como dizer que um círculo é redondo, que por ser apenas definição dispensa verificação.

A política trata do observável, do verificável, do campo dos juízos sintéticos. Tratá-la como juízo analítico evita a crítica. Apresentar propostas assistencialistas como por definição favoráveis aos pobres, sem examinar o custo que pode recair sobre os supostos beneficiários, nem os desvios que beneficiam outros destinatários é engodo.

A democracia, governo consentido pelos governados (John Locke, 1632 – 1704) está sendo ressignificada. Norberto Bobbio (1909 – 2004) descreve as gerações do Direito. A primeira delas, na antiguidade, rei (Estado) dava os comandos dirigidos aos súditos, como obrigações de não fazer: não mate, não furte. Na segunda geração os cidadãos davam comandos para o rei diziam: não prenda sem culpa formada, não cobre impostos sem previsão legal. Na terceira geração o comando dos cidadãos deu ao Estado obrigações de fazer: dê bem-estar, com limite na reserva do possível.

A demagogia se afasta da reserva do possível. Alega que as propostas formuladas não afetam o equilíbrio fiscal ou que tal equilíbrio é dispensável. Origina debate econômico incompreensível até para a maioria dos intelectuais. Apresentar direitos potestativos, que não têm exigibilidade contra terceiros, com direito sinalagmático, exigível contra terceiros é errado. Liberdades negativas são direitos potestativos. O direito exigível de terceiros nasce de um crédito adquirido por uma prestação dada, como no contrato de trabalho o salário é um crédito condicionado a obrigações recíprocas. O bem-estar não é direito potestativo.

O Estado social toma de empréstimo a teoria da hierarquia das necessidades (Abraham Harold Maslow, 1908 – 1970). Estabelece certas necessidades como direito exigível tendo a sociedade como devedora. Surge o debate sobre a alocação do citado débito. O custo acaba se transferindo para os supostamente beneficiados. O bem-estar patrocinado pelo Estado, sem base na produtividade e na compatibilidade com o investimento gera expectativas falsas e é poderoso atrativo de votos. É um conceito indeterminado, nunca se satisfaz. É a decadência da democracia.

Confundir igualdade perante a lei com igualdade na lei é parte da confusão semântica. A expansão do conceito de bem público, “legitimando” regulamentação e criminalização de condutas faz parte da decadência da democracia. Proibir saleiros sobre a mesa em restaurantes, tutelando o cidadão assim interditado como incapaz, é exemplo disso. A censura como defesa da democracia é outro sofisma. A França proibiu a revisão histórica do nazismo. Demagogia liberticida.

A ressignificação dos conceitos, a expansão do conceito de bem público e o relativismo cognitivo e axiológico da pós-modernidade desacreditam a democracia e favorecem o autoritarismo e o populismo rude contraposto aos sofismas elaborados desmentidos pela corrupção e pelo fracasso econômico.


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