terça-feira, 9 de junho de 2020

ARTIGO - As Palavras e as Coisas (RMR)

AS PALAVRAS
E AS COISAS
Rui Martinho Rodrigues*



Palavras têm sido consideradas por uns como naturalmente ligadas ao que designam. Outros consideram-nas meramente convencionais. Platão (428 – 348) reconheceu o convencionalismo, já que os vários entes podem receber nomes diversos. Mas defendeu a reserva da inteligibilidade da linguagem. A dinâmica das línguas precisa da moderação da gramática normativa para que a comunicação possa ter um mínimo de clareza. A disputa entre convencionalismo e essencialismo foi afastada por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), que recusa ambas as posições e repudia o voluntarismo da ressignificação das palavras como um convite ao sofisma.

Os estruturalistas e pós-estruturalistas, vindos dos estudos de literatura e linguística, diversificaram-se em diferentes tendências por diversos campos do conhecimento, chegando ao desconstrutivismo. A oposição entre linguística e gramática favoreceu a ressignificação das palavras. Abriu a porta para o relativismo cognitivo e axiológico. 

A interpretação da História, marcada por um certo reducionismo de tudo ao conflito, fortaleceu as teses da omnipresença da vigilância e do controle entendidos como sempre ilegítimos, como se observa nas obras de Michel Foucault (1926 – 1984), com destaque para a obra “As palavras e coisas”. A isso somou-se o entendimento de que se deve mudar o foco da educação escolar, evitando o “conteudismo”. A ênfase passa a ser, de um lado, na capacidade de pensar; de outro, nos valores, promovendo a solidariedade, a paz e a justiça com a ajuda de técnicas de psicologia, conforme descrito por Pascal Bernardin, na obra “Maquiavel pedagogo”, com farta documentação da União Europeia e do Ministério da Educação da França.

Ministrar valores no ensino oficial é adotar uma ortodoxia. Fazê-lo por meio de técnicas psicológicas é manipulação de consciência. Justiça e solidariedade são conceitos indeterminados. Caso seja oficializado um entendimento de tais valores teremos uma consciência proposta pelo Estado, teremos totalitarismo. 

Ensinar a pensar se faz nas disciplinas de lógica, epistemologia e nas metodologias científicas, não com técnicas de convencimento ou pregação de determinados entendimentos do que seja justiça ou solidariedade. A escola da pregação de valores tende a ser catequética. Saber pensar não prescinde dos conteúdos. Não se pensa só com método, sem substância objetiva a ser processada. Não se faz construção sem tijolos e outros materiais que são os conteúdos da obra.

O projeto iluminista de refazer consciências por meio de um saber supostamente unívoco, calcado na superioridade das ciências da natureza sobre o senso comum, deixou o legado totalitário da presunção de esclarecimento. No campo dos valores isso é trágico. Abre o caminho para a  uma consciência oficial. Um pensar correto que se distingue da lógica e da epistemologia, leva ao uso abusivo de palavras ao sabor de interesses e paixões.


Manifestações pacíficas, propostas de descentralização da federação e de Estado mínimo, sem um partido organicamente constituído, defendendo a liberdade de expressão pode ser rotulada como fascista. Vândalos portando facas, coquetéis molotov e bastões, defesa do controle da liberdade de expressão pela criação de um conselho nacional da imprensa ou pela censura das redes sociais e a ideia de um Estado poderoso e controlador são adjetivados como defensores da democracia. O convencionalismo semântico extremado desorienta até pessoas inteligentes e cultas, sob a influência do efeito manada promovido por intelectuais e pela grande imprensa.

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