segunda-feira, 15 de junho de 2020

ARTIGO - Relativismo Cultural, Ética e História (LA)


RELATIVISMO CULTURAL,
ÉTICA E HISTÓRIA.
Luciara Aragão*


Para os relativistas, a concepção da mudança comportamental varia a depender da época e da sociedade, criando padrões de comportamento que não podem ser avaliados de modo absoluto. Quando pensamos no passado, nos momento histórico vivido pelo homem, também interrogamos o que ele próprio pensava do seu próprio passado e qual era o consenso social e cultural herdado e que norteava a sociedade em que vivia.

Na perspectiva do relativismo, eram inexistentes os critérios objetivos para guiar a ética das práticas sociais segundo as análises de valor do bem e do mal. Isto porque cada sociedade se guiaria pelos resultados de seu próprio consenso interno, mas quando se busca a diversidade e valorização cultural dá-se uma controvérsia ao se desconsiderar as oportunidades de obtenção de consensos mínimos acerca do que é eticamente aceitável. Mesmo invocado o argumento da tolerância, o historiador pode admitir que a aplicação do relativismo cultural possa ser uma evidência que permitiu mais retrocessos do que avanços naquela sociedade.

O pensamento histórico da Escola Francesa focando nos problemas, fontes e métodos da História Social, revela que o terreno das mentalidades é o tempo mais lento nas mudanças, nem sempre de modo linear. A prática e os princípios da escravidão negra, por exemplo, mesmo que tenham sido moralmente aceitáveis, terminaram por uma desaprovação explicita numa tomada de consciência ligada ao bem e ao mal, fruto da obra de teóricos como os iluministas que criam no progresso humano do ponto de vista organizacional e moral. 

A tentativa de construção da ética universal confronta-se com a noção do relativismo cultural, pretensamente democrático, com base na inexistência de valores culturais superiores, permitindo a equiparação na diversidade de organizações sociais de ética distinta. Essas duas concepções, a de possibilidade de obtenção de consensos éticos amplos e a que relativiza padrões de conduta, permanecem em conflito e se infiltram em bases ideológicas.

Dentro dessa perspectiva, retêm-se, entretanto, os aspectos negativos existentes na concepção do relativismo que, ao favorecer a atenuação mínima do que pode ser considerado certo ou errado, coloca em risco o bem-estar social mais amplo, permitindo o infanticídio, a mutilação de mulheres, práticas violentas de iniciação sexual, comuns em determinadas culturas e que violam padrões mínimos de respeito à dignidade do ser humano, mas são defendidas pelo relativismo por serem consideradas adequadas a esta ou aquela cultura. As regras valorizadas para estabelecer críticas ao modo de agir das chamadas ”missões civilizacionais” negam uma consciência universal de que proveriam regras de convivência válidas para todos.

  
A Conferência de Viena (1993) pouco significou na questão dos Direitos Humanos quanto à obtenção da universalidade de um mínimo consenso ético para proteção da pessoa humana, independente das diversidades culturais, limitando e constrangendo os efeitos de possíveis violações sob a égide do relativismo cultural.

Para a História, essas condutas, no plano verbal e da maneira como encerram significados e valores, implicam em conteúdos interiorizáveis e escolhas de ação que se estendem “a problemática da multiplicação de direitos e do risco da destruição da ideia de direito”, como alerta Bento VI, retirando da sociedade” o que lhe dá segurança e proteção”.  Talvez, nunca como hoje, tanta incerteza se manifestou quanto à definição de referenciais no que diz respeito a traçar as situações futuras.

A situação dos homens não é um corte temporal, não se pode reduzir ao seu inter-relacionamento neste ou naquele momento, pois eles atuam no presente direcionado para o que virá o que anseia conseguir realizar; dirigem-se ao amanhã e por vezes se voltam para o que passou, constroem e reconstroem o passado, às vezes deformando-o.

Não é que o mal provenha de tudo ser posto em causa, pois não se pode negar que pode ser benéfico o extirpar do dogmatismo e mesmo destruir tabus. Não. A desorientação que conduz a não saber colocar eficazmente em causa, o renegar das experiências que nos precederam, a negação das aquisições sólidas que podem servir para alentar novas conquistas em favor do progresso moral e ético do homem, este é o MAL.


Nenhum comentário:

Postar um comentário