RELATIVISMO CULTURAL,
ÉTICA E HISTÓRIA.
Luciara Aragão*
Para os
relativistas, a concepção da mudança comportamental varia a depender da época e
da sociedade, criando padrões de comportamento que não podem ser avaliados de
modo absoluto. Quando pensamos no passado, nos momento histórico vivido pelo
homem, também interrogamos o que ele próprio pensava do seu próprio passado e
qual era o consenso social e cultural herdado e que norteava a sociedade em que
vivia.
Na perspectiva do
relativismo, eram inexistentes os critérios objetivos para guiar a ética das
práticas sociais segundo as análises de valor do bem e do mal. Isto porque cada
sociedade se guiaria pelos resultados de seu próprio consenso interno, mas
quando se busca a diversidade e valorização cultural dá-se uma controvérsia ao
se desconsiderar as oportunidades de obtenção de consensos mínimos acerca do
que é eticamente aceitável. Mesmo invocado o argumento da tolerância, o
historiador pode admitir que a aplicação do relativismo cultural possa ser uma
evidência que permitiu mais retrocessos do que avanços naquela sociedade.
O pensamento
histórico da Escola Francesa focando nos problemas, fontes e métodos da
História Social, revela que o terreno das mentalidades é o tempo mais lento nas
mudanças, nem sempre de modo linear. A prática e os princípios da escravidão
negra, por exemplo, mesmo que tenham sido moralmente aceitáveis, terminaram por
uma desaprovação explicita numa tomada de consciência ligada ao bem e ao mal, fruto
da obra de teóricos como os iluministas que criam no progresso humano do ponto
de vista organizacional e moral.
A tentativa de construção da ética universal confronta-se
com a noção do relativismo cultural, pretensamente democrático, com base na
inexistência de valores culturais superiores, permitindo a equiparação na diversidade
de organizações sociais de ética distinta. Essas duas concepções, a de
possibilidade de obtenção de consensos éticos amplos e a que relativiza padrões
de conduta, permanecem em conflito e se infiltram em bases ideológicas.
Dentro dessa
perspectiva, retêm-se, entretanto, os aspectos negativos existentes na
concepção do relativismo que, ao favorecer a atenuação mínima do que pode ser
considerado certo ou errado, coloca em risco o bem-estar social mais amplo,
permitindo o infanticídio, a mutilação de mulheres, práticas violentas de
iniciação sexual, comuns em determinadas culturas e que violam padrões mínimos
de respeito à dignidade do ser humano, mas são defendidas pelo relativismo por
serem consideradas adequadas a esta ou aquela cultura. As regras valorizadas
para estabelecer críticas ao modo de agir das chamadas ”missões civilizacionais”
negam uma consciência universal de que proveriam regras de convivência válidas
para todos.
A Conferência de
Viena (1993) pouco significou na questão dos Direitos Humanos quanto à obtenção
da universalidade de um mínimo consenso ético para proteção da pessoa humana,
independente das diversidades culturais, limitando e constrangendo os efeitos
de possíveis violações sob a égide do relativismo cultural.
Para a História, essas
condutas, no plano verbal e da maneira como encerram significados e valores,
implicam em conteúdos interiorizáveis e escolhas de ação que se estendem “a
problemática da multiplicação de direitos e do risco da destruição da ideia de
direito”, como alerta Bento VI, retirando da sociedade” o que lhe dá segurança
e proteção”. Talvez, nunca como hoje,
tanta incerteza se manifestou quanto à definição de referenciais no que diz
respeito a traçar as situações futuras.
A situação dos
homens não é um corte temporal, não se pode reduzir ao seu inter-relacionamento
neste ou naquele momento, pois eles atuam no presente direcionado para o que virá
o que anseia conseguir realizar; dirigem-se ao amanhã e por vezes se voltam
para o que passou, constroem e reconstroem o passado, às vezes deformando-o.
Não é que o mal
provenha de tudo ser posto em causa, pois não se pode negar que pode ser
benéfico o extirpar do dogmatismo e mesmo destruir tabus. Não. A desorientação
que conduz a não saber colocar eficazmente em causa, o renegar das experiências
que nos precederam, a negação das aquisições sólidas que podem servir para alentar
novas conquistas em favor do progresso moral e ético do homem, este é o MAL.
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