DESORIENTAÇÃO
JURÍDICA
Rui Martinho Rodrigues*
Contemplamos um inquérito sobre as chamadas “fake news”. Mas não existe tal tipo penal. Temos excesso de leis
que nos fazem lembrar o brocardo latino atribuído a Caio ou Publio Corneli
Tacito (56 d.C. – 120 d.C), historiador, senador e cônsul romano: plurima
legis, pessima respublica, citado por Charles-Louis de Secondat, barão da
La Brède e de Montesquieu (1689 – 1755).
Apesar de tantas leis o Supremo Tribunal Federal instaurou
inquérito para apurar conduta não tipificada como crime no nosso ordenamento
jurídico. Tem mais: o Pretório Excelso, guardião da Constituição, não pode
ignorar o art. 5, inc. XXXIX, CF/88, que diz claramente: “Não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Afirmação idêntica
se encontra no art. 1 do Código Penal Brasileiro.
Os dispositivos citados são a positivação do princípio da reserva
legal em matéria penal, pelo qual analogia, costume e princípios do Direito não
podem fundamentar condenação por crime, convalidando ausência de tipo penal
para tanto. Ressalte-se que peças forenses, mormente na área penal, não devem
usar modismos do léxico coloquial em seus fundamentos.
Comentando o chamado inquérito das “fake news”, o advogado Luis Gustavo Pereira da Cunha, falando
perante o Supremo Tribunal Federal como amicus curiae, no inquérito aqui
referido, afirmou entre outras coisas que:
(1) os ministros daquela corte estão se colocando ao mesmo tempo
como parte e como juízes;
(2) o Pretório excelso só pode exercer o poder de polícia, que no
caso foi abrir e presidir inquérito, para fatos ocorridos nos limites da citada
corte, pela competência territorial (competência ratione materiae),
situação diversa da que ensejou o chamado inquérito das “fake news”;
(3) ao investigar e julgar o Tribunal está violando o princípio do
processo acusatório, regredindo ao tempo do deplorável processo inquisitorial,
contrariando o Direito positivado, a doutrina e a jurisprudência do próprio
Tribunal;
(4) violou a competência exclusiva do MP se autoinvestindo na
prerrogativa da persecução penal que cabe com exclusividade ao Ministério
Público por determinação constitucional, contrariando entendimento da Procuradoria
Geral da República;
(5) viola o impedimento de juízes presidirem inquérito, cuja única
exceção é para o caso de haver juiz como réu, que não acontece no inquérito em
apreço;
(6) o presente inquérito viola as prerrogativas do advogado e cerceia
o direito de defesa, valendo-se de modo indevido de sigilo do procedimento;
(7) viola a competência de foro, uma vez que a maioria dos
investigados não tem foro por prerrogativa de função, cabendo a primeira
instância a competência para o caso;
(8) por isso também viola o princípio do juiz natural;
(9) intimida os meios de comunicação cerceando o direito de livre
expressão do pensamento e o direito a informação, intimidando as fontes
alternativas e independentes, que são imprescindíveis à democracia;
(10) incorre na prática de arbitrariedade por parte do ministro
Alexandre de Moraes, sem citar o seu nome, que expediu mandado de busca e
apreensão contra pessoas que não são investigadas.
Não há o que acrescentar. Exceto que o valoroso advogado Luis
Gustavo Pereira da Cunha defende a segurança jurídica de todos nós, o direito à
informação, as prerrogativas do advogado e do MP e a integridade do Supremo
Tribunal Federal.
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