AS MALUQUICES
DO CAPITÃO
Humberto Ellery *
“...o que os caras querem é a nossa hemorroida!” (Jair Bolsonaro)
Na epígrafe, a declaração solene do Excelentíssimo Presidente da
República Federativa do Brasil, Senhor Jair Messias Bolsonaro, em Sessão do Venerando
Conselho de Ministros da República, ocorrida em 22 de abril de 2020, no
elegante Palácio do Planalto.
Devo iniciar anunciando que não estou minimamente
interessado nas hemorroidas do Capitão, e, inclusive, em sinal de boa vontade,
dou-lhe um conselho: evite alimentos apimentados.
Dito isso, adianto aos “bolsonáticos” que, para evitar que me
acusem de odiar o Presidente, não vou tecer nenhuma crítica ao “Mito”. Pretendo
apenas enumerar fatos facilmente comprováveis, posto que amplamente
documentados. Portanto, se críticas acerbas forem, não são de minha autoria.
Começo citando o General Ernesto Geisel, um militar comme il
faut, que, numa série de entrevistas aos pesquisadores da Fundação Getúlio
Vargas, Maria Celina D'Araújo e Celso de Castro, perguntado sobre o Deputado
Jair Bolsonaro como representante das Forças Armadas no Congresso Nacional, respondeu
que o citado deputado não representava o pensamento das FFAA, e acrescentou, “inclusive
é mau militar” (livro disponível na Estante Virtual).
Em setembro de 1986, num ato considerado de insubordinação ao Regulamento Disciplinar do Exército (RDE),
publicou na Revista Veja, na seção “Ponto de Vista”, um artigo criticando o
Alto Comando do EB pelos baixos salários. Cumpriu então 15 dias de “prisão disciplinar”, a segunda mais
rigorosa pena do RDE, abaixo apenas da “exclusão a bem da disciplina”.
Não satisfeito, em sua ânsia de melhorar seus proventos, planejou e preparou um ato de terrorismo, a “Operação Beco Sem Saída” que
consistia em explodir várias bombas “de efeito moral” em diversos quartéis, e
detonar a Adutora do Guandu, que abastece de água o Rio de Janeiro. Seu
cúmplice era o também Tenente Fábio Passos da Silva (hoje Coronel Reformado).
Convém lembrar que a Lei 13.260 de 16/03/16, que define atos terroristas
em seu Art. 2º § 1º “Usar {...} meios capazes de causar danos...”, em seu Art.
5º consigna que também é ato de
terrorismo “realizar atos
preparatórios com o propósito inequívoco de consumar tal delito” (a pena
é reduzida de 1/4 até a metade).
A inteligência da Polícia do Exército descobriu os preparativos e
abortou a consumação do delito. Seu ato de terrorismo de detonar a Adutora foi
por água abaixo (com trocadilho, por favor).
Durante o Inquérito que se seguiu, conduzido por três coronéis (que
o condenaram por unanimidade), na elaboração do Relatório Final que
encaminharam ao CJM – Conselho de Justificação Militar, afirmaram que “o
justificando (Ten. Bolsonaro) mentiu
durante todo o processo quando negou a
autoria, {...} comprovada pelos laudos periciais”.
O CJM, após examinar o teor do Inquérito, encaminhou a denúncia ao
Superior Tribunal Militar, em 19 de abril de 1988, nos seguintes termos: “...seja declarada sua incompatibilidade para o
oficialato e consequente perda do posto e patente, nos termos do Art.
16, inciso I da Lei nº 5.836 de 5 de dezembro de 1972”.
No STM, um Ministro resolveu “passar a mão na cabeça” do tenente,
numa “mamãezada” inconcebível numa corte marcial, e propôs um acordo, em que o
tenente pediria sua passagem para a reserva com proventos proporcionais ao
tempo de serviço, e em troca ele não seria expulso.
Mesmo assim, quatro Ministros votaram a favor de sua expulsão, mas
nove deles foram convencidos pelo Ministro bonzinho e ele foi absolvido (9x4).
Apoiado na notoriedade conseguida, em sua obstinação pelo
aumento de salários dos militares, ao passar para a reserva candidatou-se a
vereador e foi eleito com os votos da “família militar”.
Dois anos depois renunciou ao mandato de vereador e candidatou-se a
Deputado Federal, pois como vereador ampliou seu eleitorado aos policiais
militares e civis, atuando como um verdadeiro líder sindical das categorias ligadas à segurança pública, afagando, inclusive, milicianos.
Continuou então em Brasília sua carreira política, marcada por uma
deslumbrante obscuridade (que tal este oxímoro?). Em 28 anos de mandato jamais
fez parte da Mesa, nem como suplente; jamais foi escolhido relator de algum
projeto; mesmo tendo passado por dez partidos, todos nanicos (chamados “siglas
de aluguel”) nunca foi líder, nem sequer vice-líder de nenhum deles; jamais fez
parte da relação anual de parlamentares influentes elaboradas pelo DIAP –
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Conseguiu aprovar apenas dois projetos, entre cerca de 170
apresentados, um que estendia isenção de IPI aos produtos de informática, e o
outro aprovava a fabricação e uso da fosfoetanolamina sintética, uma
espécie de Cloroquina que acreditava-se que curava o câncer.
Notabilizou-se por trocar impropérios, ofensas e ameaças com a
Deputada Maria do Rosário, e trocar cusparadas com o trêfego Deputado Jean
Wyllys, o que serviu para lhe dar a imagem de ferrenho antipetista, que acabou por levá-lo à Presidência da República.
Quanto à sua propalada honestidade (dogma de fé dos “bolsonáticos”)
vou referir a alguns fatos bem interessantes:
Declarou (ver no youtube) “...conselho meu e eu faço, sonego
tudo o que for possível”.
Até onde eu sei, sonegação é apropriação indébita de dinheiro público (meu e
seu), ou seja, roubo de dinheiro do
povo;
Quando ainda divorciado, mesmo sendo proprietário de imóvel em
Brasília, recebia “Auxílio Moradia”, contrariando o Regimento Interno da Câmara
dos Deputados, numa atuação desonesta e antiética. Mais uma vez roubo de dinheiro público. A propósito
desse roubo, certa vez, perguntado o que fazia com o dinheiro do “Auxílio
Moradia’, respondeu à Repórter que o usava para “comer gente”. Acho que não se
referia a um ato antropofágico;
Existe ainda uma investigação no âmbito da Coordenação de Gestão
Parlamentar da Câmara dos Deputados quanto ao uso do reembolso de verba de combustíveis.
São onze operações “suspeitas”, como abastecer um mesmo veículo com mais de mil
litros em um único dia. O valor total de superfaturamentos é de mais de R$
45.000,00. Roubo de dinheiro público.
De novo. Mas eu vou adotar aqui um indefectível cacoete dos “bolsonáticos”,
numa concessão aos meus amigos que teimam em cultuar o “Mito”: o Lula é mais ladrão! Eu também acho!
Eu não me admiro (como tantas pessoas) ao ver muita gente
inteligente apoiando cegamente, completamente e sem contestações o “Mito”, pois
Oscar Wilde nos ensina que “as emoções do homem são despertadas mais rapidamente
que sua inteligência”, e ainda existem muitos eleitores que teimam em viver a
Política com o coração em vez do cérebro. Eu me admiro é dos generais que
sempre souberam disso que eu expus e muito mais, e ainda assim o apoiaram e
apoiam.
Para não encompridar demais vou concluir listando, pela ordem, os adjetivos
que estão muito claros neste post, e não sou eu que digo, são os fatos.
O Bolsonaro é mau militar, insubordinado, indisciplinado,
terrorista, mentiroso, deputado irrelevante, antipetista e desonesto (com uma
vantagem: o Lula é mais ladrão do que ele).
QED - Quod Erat Demonstrandum
COMENTÁRIO
O lulista Caetano Veloso tem uma frase lapidar em letra de música,
que pode ser exemplificada nesse artigo primoroso do confrade Humberto Ellery: “Você
diz a verdade, e a verdade é seu dom de iludir”.
Sim. Não há mentiras na longa pesquisa que Ellery empreendeu acima
sobre o Presidente Bolsonaro – e ele não a fez por ódio a ninguém, mas por pura
indiferença – segundo a doutrina de Érico Veríssimo que ele segue, até porque,
lhe ensina Bernard Shaw, “o ódio é a arma dos covardes”.
Ellery me lembra aqui a obra célebre “As Maluquices do Imperador”,
de 1927, na qual Paulo Setúbal narra com grande verdade e malícia as excentricidades
de D. Pedro I, um monarca cheio de extravagâncias que, entretanto, promoveu a independência
do Brasil e venceu, militarmente, os primeiros movimentos separatistas
nacionais.
É verdade, o Tenente Bolsonaro foi um militar insubmisso,
inconformado com o soldo que era pago ao baixo clero da caserna, e todos os
seus seguidores sabem disso. Só que, quando o ato é ilícito, mas a sua causa é relevante
ou nobre, ele ganha foros de “delito privilegiado”.
Demais disso, o Tenente Bolsonaro não foi criminalmente processado e expulso do Exército,
mas absolvido de forma condicional, porque os Ministros que o julgaram
conheciam bem o Direito Penal e sabiam que a sua aplicação é a ultima ratio e segue os princípios
da “intervenção mínima” e da “fragmentariedade”. Só se aplica quando não houver solução jurídica mais branda.
Sim. Bolsonaro foi um parlamentar revoltado contra o desvio de
verbas públicas pelas administrações corruptas e desonestas que se seguiram ao
regime militar, razão pela qual dizia, retoricamente, que as pessoas deveriam
sonegar impostos. Mas ele nunca foi condenado por sonegação, nem por pretenso “roubo”
de verba pública.
A propósito, a palavra “roubo”, que Humberto Ellery reitera no seu
texto, está no “joio” do mau jornalismo, que escolhe as palavras mais dramáticas,
embora inexatas, para exercer o ódio ideológico contra o objeto da reportagem.
Juridicamente, o roubo se configura pelo uso da força contra a vítima
injustamente expropriada, pois quando haja apenas modo sub-reptício o termo correto seria “furto”.
Mas também não se classifica como furto receber “auxílio moradia”,
possuindo imóvel próprio, até porque, como Bolsonaro já pontuou, as despesas da moradia
não se resumem ao aluguel, mas a tantos e tantos dispendiosos insumos envolvidos
no ato de morar, que são sumamente necessários. E responder que gastava a verba para fins antropofágicos foi um de seus rompantes disparatados para desancar o perguntador impertinente.
Tampouco era furto, mas, no máximo, uma abusividade administrativa,
usar a gasolina parlamentar, a que tinha direito, em quantidade mais vultosa –
a menos que se demonstrasse que ele a estivesse desviando para uso ilícito ou
para venda – e em sede de Direito Penal nada se pode presumir. Tudo tem que ser
provado.
Por fim, sim, os planos que foram investigados e atribuídos a Jair
Bolsonaro e a outro tenente indicam preparativos para atos terroristas – mas
eles não foram cabalmente provados – tanto que o seu parceiro não foi punido,
nem deixou o Exército, e, como o próprio articulista diz, chegou ao Coronelato.
Mas esses planos, ainda que fossem inequivocamente comprovados, não podiam e não podem ser classificados como “terrorismo”, porque atos preparatórios de crimes (o “iter criminis”) não configuram “fatos
típicos”, segundo o Código Penal. A lei que Humberto Ellery cita, e que faz uma
exceção a essa regra, é do ano de 2016, portanto não existia na época, e, como se sabe, a lei penal não
retroage para prejudicar o acusado.
Eu, sem indiferença e sem ódio, continuo achando que Jair Bolsonaro,
com todos os seus evidentes defeitos, ainda seria um mal necessário a esta
Nação, porque exerceu um “controle biológico” contra a roubalheira da direita velha, contra a política bolivariana do Foro de São Paulo, contra os
métodos gramiscianos da esquerda desvairada.
E continuo achando que deveriam deixá-lo terminar o mandato,
legitimamente conquistado, pois se tentarem vencê-lo no tapetão e inventarem um
terceiro turno os homens de armas vão se levantar contra os das canetas e as arquibancadas vão vir
abaixo. Os fatos já demonstraram que contra argumentos bélicos nem retroescavadeiras funcionam.
Reginaldo Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário