domingo, 13 de outubro de 2019

POESIA - Ágape (RV)


ÁGAPE
Reginaldo Vasconcelos*


Nós, sós, a cama, e o banquete está servido. 
A renda pilosa do teu suave tegumento exposto 
atoalha e suporta os acepipes e iguarias corporais.


De entrada, o oloroso consommé dos teus humores somáticos, 
alhos e aspargos, o salmão e o camembert, 
as olivas dos teus olhos.

À flor da pele trescala no mesmo buquê apetitoso o sabão da costa, 
em comandita com o sudorinho da excitação e da ansiedade.


No exórdio aperitivo do apetite, o Porto mavioso do teu hálito de Afrodite, 
o teu plexo arfante como nas evolações do repasto que fumega.

Protela-se e antegoza e logo voraliza a opção de resistência, 
a proteína da paixão, a grande deglutição carnal,  
o prato principal, na baixela argêntea da luxúria.

Em guarnição da esculência, a promessa pueril das lactantes, 
dupla, fremente, de topografia delicada, 
e as hastes substanciosas das coxas firmes, além das nalgas gulosas.

O vinho inebriante do prazer harmoniza a natureza do festim
e, por fim, resta a compota do pospasto, o pudim, o último espasmo do licor e do café.


Os eflúvios do champanhe, o brinde ao amor,
as bolhas gentis dos ósculos mil 
que escalam o cristal manso dos encantos complacentes e servis. 

Anunciado o torpor pós-prandial, 
que venha a merecida letargia gozosa e dramatúrgica de Morfeu.



COMENTÁRIOS

Belíssima essa crônica poética e filosófica, densa e clássica, sutilmente erótica, de uma estilística incomparável.
Arnaldo Santos

Fazia tempo que vadiava pela minha cabeça a produção de um texto que fizesse uma analogia interessante entre uma relação sexual e uma experiência gastronômica. Como a intenção não era propriamente erótica, muito menos pornográfica, mas eminentemente literária, na vertente lírica, tive que lançar mão de um vocabulário rebuscado. Fico honrado com o comentário elogioso do confrade Arnaldo Santos.
Reginaldo Vasconcelos

Eis a esplêndida polissemia da Língua Portuguesa, tendo por exemplo o verbo alimentar-se. Deglute-se das mais diversas maneiras e, depois, os dois, nos braços de Morfeu, deixam o leitor comprazer-se com uma poética singular; e, a igual tempo, alteada pelas figuras e tropos magníficos da LP e estro incomparável deste poeta, que é modelo de pessoa e paradigma de compositor transitado pela magnificência dos pés da Arte Poética. Que segunda-feira, heim?
Vianney Mesquita


A apreciação literária positiva de Vianney Mesquita é um laurel, que me gratifica e me estimula. Rigoroso filólogo, esteta da palavra, sonetista virtuoso, para quem a Língua Portuguesa é matéria-prima da beleza no dizer, seus encômios são recebidos por mim com respeito e reverência ressalvada a suspeição da amizade e do afeto que mutuamente nós nutrimos.
Reginaldo Vasconcelos    

   

Um comentário:

  1. Eis a esplêndida polissemia da Língua Portuguesa, tendo por exemplo o verbo alimentar-se. Deglute-se das mais diversas maneiras e, depois, os dois, nos braços de Morfeu, deixam o leitor comprazer-se com uma poética singular; e, a igual tempo, alteada pelas figuras e tropos magníficos da LP e estro incomparável deste poeta, que é modelo de pessoa e paradigma de compositor transitado pela magnificência dos pés da Arte Poética.
    Que segunda-feira, heim?
    VM.

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