PRISÃO
E
TRÂNSITO EM JULGADO
Rui Martinho Rodrigues*
O STF, em sede de ADI (ação direta de inconstitucionalidade),
decide sobre a execução provisória de condenação penal. É uma ação sem partes. Examina
em abstrato um problema jurídico.
Suponhamos que no caso presente seja isso mesmo. O imbróglio está no
significado e alcance do art. 5, inc. LVII da CF/88, segundo o qual “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.
O STF fará interpretação, isto é, definirá o significado e o alcance
da presunção de não culpabilidade. Examinará a evolução do entendimento sobre
presunção de inocência na própria Corte; os tratados internacionais, com
destaque para o Pacto de São José da Costa Rica; a doutrina; o Direito
Comparado; as interpretações literal, histórica, lógica e sistemática do
problema.
A simples interpretação literal da presunção de inocência considera
que o réu não é culpado e está protegido até que não haja possibilidade de
recurso. Mas o alcance de tal significado será debatido.
O dispositivo constitucional impede todo tipo de prisão? Não impede
prisão cautelar, prevista nos artigos 312 e 313 do decreto 3.689/41 (CPPB),
recepcionado pela Carta Política de 1988, nas circunstâncias enumeradas em seus
incisos e parágrafo único.
Impede, todavia, a simples investigação da vida de um cidadão,
exigindo que haja o objeto definido e circunstâncias que a justifiquem. A
proteção em exame é flexível, formada por um conjunto de camadas que são
afastadas progressivamente, conforme o andamento do processo.
A presunção de inocência, após perder a imunidade contra a
investigação, continua protegendo contra o indiciamento pelo inquérito
policial. Comprovada a materialidade do crime e havendo indícios de autoria cairá
esta segunda proteção.
O cidadão continua protegido, todavia, contra a formação de
processo penal, sendo necessário que o Ministério Público acolha o indiciamento
feito pela autoridade policial e formule denúncia. Cairá esta terceira proteção
se acatada a denúncia pelo juiz. O acusado se tornará réu, perdida a imunidade
processual, a quarta proteção.
A interpretação lógica dirá que a condenação tem consequência: a
presunção de inocência continuará sofrendo restrições em ao longo do processo.
A interpretação histórica dirá que sucessivas mudanças de entendimento do STF,
em pouco tempo, ferem a segurança jurídica e sugerem que não se trata de exame
abstrato da questão, mas de casuísmo. Não se trata de ADC, mas de habeas corpus
discreto do ex-presidente Lula.
A presunção residual de inocência será o direito de se defender
pela via recursal. A ampla defesa continuará assegurada, mas cairá a imunidade
prisional. O duplo grau de jurisdição é sobejamente resguardado entre nós com
quatro instâncias. Prisão cautelar convive com a presunção de inocência.
Por que não poderia existir execução provisória da pena? As
interpretações lógica e histórica não impedem, conforme a jurisprudência da
própria Corte, a prisão baseada na condenação pelo duplo grau de jurisdição. A literalidade
da interpretação não deve ser confundida com literalismo. As questões fáticas
só são apreciadas até o segundo grau. A presunção residual de inocência após a
condenação pelo colegiado exclui o exame dos fatos. A materialidade e a autoria
do crime são fatos. A defesa poderá prosseguir nos tribunais superiores,
alegando questões de Direito, mas sem imunidade prisional.
O que o STF dirá?
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