O PARAÍSO DA DÚVIDA
Rui Martinho Rodrigues*
No meio forense a expressão “paraíso dos caloteiros” é o modo
pejorativo de aludir à dificuldade, no ordenamento jurídico brasileiro, que os
credores enfrentam para fazer valer os seus direitos. A dúvida espreita. A incerteza
chegou ao processual penal.
O STF, legislando positivamente (criando lei), decidiu que o rito
processual penal deve adotar procedimentos não previstos em lei; deve, ao
arrepio da lei, distinguir entre réus, tratando desigualmente pessoas em situação
igual; deve reconhecer nulidade sem prejuízo para as partes.
O STF anulou uma sentença alegando que os réus que colaboraram com
o Ministério Público apresentaram o memorial das alegações finais no mesmo
prazo dado a quem não colaborou. Assim, os réus colaboradores foram equiparados
aos titulares da persecução penal.
Explicando: a defesa deve falar depois da acusação. Acusador é quem
apresenta a peça acusatória e tem a iniciativa de outros procedimentos
concernentes ao andamento do processo. Réus colaboradores não apresentam a
acusação, apenas fornecem informações que o Ministério Público (MP) poderá usar
na peça acusatória, se antes promover alguma produção de prova.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn_rnGDcxWUFYPIkW37mP1R0LuRE92mheGp-MnGKIZvW7qFQpgBOPJkopBWO5Rthfk5esIf9gvQ4x6THGNNZ6IP7ZFAgfp_cWCqqoV2hyphenhyphenYMPTxoDXXppll25cHGzKdnRZCijKyMwq29sew/s200/STF+V.jpg)
Já não sabemos o que é conforme a lei. Mas continua prevalecendo a
presunção segundo a qual todos conhecem a lei, sendo impossível alegar o seu
desconhecimento. Isso será mudado? Outra dúvida diz respeito ao momento da preclusão
temporal (limite da oportunidade de apresentar nova prova ou contraprova).
Acatar a tese de que a defesa dos réus que não colaboraram deve falar depois
dos colaboradores é o reconhecer que há prejuízo para a defesa.
A preclusão se dá antes das alegações finais. Os réus colaboradores
não podem apresentar novas provas. A peça acusatória do MP já é do conhecimento
das partes quando das alegações finais. Não há prejuízo nem nulidade. O STF,
porém, acolheu a tese da nulidade. Está dizendo que houve ou poderia haver
prejuízo para a defesa, admitindo novas provas. Não temos preclusão ou temos
nulidade sem prejuízo?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0mZVc9Mw3-3V0kS0f-6T8veewvEx5Vllk_VgK_jaN9EtPT3RFEp_v-haOXW731YcNsjw1ya4yygn289yM7ITgHQVDyvIgBqZ1eJ_d7qKFWfOpA_MNnAUr7cjDQ8vStwUpiwqIn07TiCLe/s200/STF+VII.jpg)
Haverá alguma absolvição? Se houve prejuízo poderá, sim, haver
absolvição. Neste caso, os bilhões de reais devolvidos pelos condenados como
corruptos serão restituídos aos inocentados? Ou os inocentados sofrerão prejuízo?
O Estado terá obrigação de indenizar os danos morais e materiais?
Não temos leis, mas entendimentos jurisprudenciais. A obrigação de
fundamentar decisões não representa segurança jurídica. Pode-se “fundamentar”
qualquer coisa quando se tem a prerrogativa de errar por último. Somos o
paraíso da dúvida jurídica (insegurança). O poder do STF tornou-se ilimitado.
Surge então uma dúvida política: pode haver poder ilimitado na democracia? O
ativismo judicial, como nova edição revista e ampliada do tenentismo, agora
envergando a toga, é democrático?
Porto Alegre, 02/10/19.
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