VIRTUDE E (IN)COERÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*
O STF, valendo-se da analogia ou de interpretação extensiva do
crime de racismo, criminalizou a homofobia. A citada Corte tem se colocado
majoritariamente como minimalista em matéria penal. Dependendo do tema, porém, pode
ser maximalista. A fundamentação das decisões judiciais pode ter amparo em argumentos
técnicos e humanísticos. A defesa do Direito Penal mínimo têm sido associada às
virtudes cívicas.
Mas não devemos esquecer a sua relação com o cálculo racional
a serviço da segurança jurídica, da paz social e da justiça. O Direito penal
minimalista se coloca como ultima ratio; defende as penas alternativas e
outras medidas desencarceradoras; a reserva legal; a vedação da analogia in
malam partem e da interpretação extensiva in pejus; assim como o abolitio
criminis, em que a responsabilidade civil possa substituir a lei penal, tudo
com bom fundamento. Longas penas não têm maior poder de dissuasão. O que
desencoraja o crime é a certeza da aplicação da lei penal (Cesare Bonesana
Beccaria, 1738 – 1794), não a severidade da sanção.
Outras razões de índole minimalista não são tão consensuais como a
vitimização do transgressor, mas encontram aceitação expressiva na doutrina. Contradições
aparecem, todavia, quando minimalistas professam punitivismo. A multiplicação
de tipos penais, inclusive incidindo sobre condutas já tipificadas como crime,
a exemplo de injúria, redundantemente apenada como injúria racial; a majoração
de penas; vedação à fiança e dilação da prescrição da pretensão punitiva, todos esses são
exemplos do punitivismo de pseudo minimalistas. Recorrer a analogia in mala
partem, violando os princípios da reserva legal, da vedação da analogia e
da interpretação extensiva prejudicial ao réu é exagero punitivista e é
inconstitucional.
Não esqueçamos que o Pretório Excelso deve advertir o Poder
Legislativo quando este incorra em omissão nos casos constitucionalmente
previstos. Não é dado ao Poder Judiciário, porém, agir como órgão supletivo do
Parlamento. A omissão legislativa pode ser veto tácito por temor da reprovação
do eleitorado. Nada mais democrático. A aparente omissão pode ser uma decisão
de conveniência e de oportunidade praticada, pelo Legislativo, no exercício
legítimo do poder discricionário. Esta prerrogativa não pode ser cassada pelo
Judiciário. Registre-se, ainda, que o STF pode legislar negativamente,
retirando do ordenamento jurídico norma inconstitucional, mas não pode legislar
positivamente criando leis.
A criação do tipo penal “homofobia” denota uma postura de
detentores de uma consciência oficial a ser imposta aos alienados. Mas Isaiah
Berlin (1909 – 1997) nos lembra, porém, que o DNA da democracia é formado por
liberdades negativas, que é o campo da liberdade negocial, da prerrogativa de
agir e fazer também enaltecida por José Guilherme Merquior (1941 – 1991).
Esta é a própria licitude, é liberdade negativa, caracterizada pelo
não impedimento legal. Fora isso resta o obrigatório e o proibido. A
publicização do direito privado, via constitucionalização de todos os direitos;
e a expansão do entendimento do que seja o bem público alargam a judicialização
da política e das relações sociais, que somada à tutela penal chega ao
totalitarismo É a subordinação das consciências ao Leviatã. Consciência
oficial, cerceamento do direito de expressão do pensamento e de crítica são o
corolário da moral oficial. Crime de opinião, pela decisão do STF, já está no
âmago do nosso ordenamento jurídico.
As liberdades positivas invocam a tolerância; o pluralismo; a
proteção de vulneráveis. Até aí tudo bem. Reivindicam também o direito aos
meios necessários para ir da potência ao ato, apelando ao Estado provedor, além
de propugnarem por uma moral oficial. É quando colidem com a reserva do
possível. A alegada função pedagógica do Direito e a promoção de novos valores tropeçam
na falta de eficácia e na inconveniência de uma pedagogia do cárcere. A
proposta de mudança axiológica contraria, ainda, o relativismo cultural. É
aculturação pela violência do Direito Penal e da criminalização do conservadorismo.
Cria delito de opinião.
Chore Brasil, pela democracia.
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