ACULTURAÇÃO FORÇADA
Rui Martinho Rodrigues*
Comunicadores, professores e intelectuais empreendem uma cruzada
pela mudança cultural, uma luta por um mundo melhor. Querem mais tolerância,
menos violência e menos desigualdade (confundida com diferença).
Desqualificam comportamentos e valores tradicionais como
preconceituosos, ignorância ou próprios de personalidades violentas, sem
respeito pelo diferente e o mais vulnerável. Até criminalizam os valores
tradicionais.
Os que assim procedem se colocam como mais esclarecidos, moral e
intelectualmente superiores, como herdeiros do iluminismo. O relativismo cultural é
uma das bandeiras destes “esclarecidos”, sem embargo da contradição entre esta ideia
e a suposta superioridade da presunção de esclarecidos.
A campanha pela mudança cultural quer aculturar os tradicionalistas,
substituindo suas referências pelas concepções modernas ou pós-modernas.
Injustiças, desigualdades, intolerância e violência seriam afastadas.
Mas o processo de destruição da cultura desorienta, gera resistências,
ofende, acirra ânimos e incrementa a violência. Índios que passam por
aculturação apresentam altos índices de suicídio, alcoolismo, desinserção
social e violência. Quando os índios somos nós, integrantes do mundo ocidental,
o fenômeno tem as mesmas características. Imigrantes passam por culturação e
apresentam maiores índices de violência e desajustes sociais diversos.
Os defensores do relativismo cultural se mostram incoerentes quando
pretendem promover a aculturação dos tradicionalistas. O relativismo aludido
tem fundamento na ausência de superioridade das culturas quando comparadas
entre si. A superioridade dos supostamente evoluídos precisaria promover uma
melhor convivência do indivíduo consigo mesmo; com o outro e com a natureza,
como prelecionam Sérgio Paulo Rouanet (1934 – vivo) e Alain Touraine (1925 –
vivo). Tal não acontece. Mas o relativismo em apreço tem limites. Matar
crianças recém nascidos por serem gêmeos ou albinos, como prática cultural, não
deve ser tolerado.
Ressalvadas as exceções (vida, integridade física e a liberdade) é
preciso respeitar os valores das tradições culturais. Mudança cultural forçada
fracassa em seus objetivos. Não promove a paz, mas a violência que acompanha a
aculturação. Não expressa o respeito e a tolerância que prega, pois
desqualifica o outro como preconceituoso, ignorante, violento ou machista. Gera
reação violenta e acirramento dos ânimos, conforme os índices de violência. Não
promove felicidade. Não é mais correta cientificamente. Práticas tradicionais
são naturalizadas pelo costume. Não incomodam a quem as tem como referência. Não
promove a felicidade. Culturas pertencem ao campo da metafísica, não ao mundo
da ciência. Os novos valores não têm superioridade científica. A imposição de
novas referências, inclusive pela criminalização de condutas, é oficialização de
consciências, moral estatizada, convertida em ortodoxia. Destrói a liberdade de
consciência, expressão e crítica. É o réquiem da democracia.
Desqualificar conceitos como “preconceitos” ultrapassa o limite da
crítica respeitosa. É errado. Preconceito não é a moral do outro. É juízo de
valor formulado antes de conhecer o objeto da cognição. Juízo sobre o que se
conhece é conceito. Pode ser criticado, mas desqualificá-lo com adjetivos
pejorativos é agressão incompatível com a pregação de paz e amor. Novos valores
não têm base no antropocentrismo, pois tentam modificar costumes. Não têm
arrimo no cosmocêntrismo, pois não se demonstra que estejam escritos no cosmos.
Não são revelação teocêntrica. Não são científicos. Representam o interesse em
adaptar pessoas ao modo de vida moderno, à produtividade, consumo e
competitividade e ajustar a mulher ao “apito da chaminé de barro” (Noel Rosa,
1910 – 1937), submetendo todos ao consumismo. Foi a revolução industrial e a
mobilização dos homens para a guerra que modificou os costumes, não a promoção
da felicidade ou de relações justas. Não somos mais felizes do que no passado.
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