segunda-feira, 29 de abril de 2019

CRÔNICA - Chico Padre (TL)


CHICO PADRE
Totonho Laprovitera*


Acolhido pelos meus tios Zuleica e Dedé Brasil, na Parangaba, Chico Padre tornou-se amigo de infância de Geraldo, meu pai. Quando ficou adulto, sem estudo, simples e humilde, realizava serviços de limpeza lá por casa. De quebra, ainda era rezador e, para qualquer provável mal, ele pegava um galhinho de planta e em movimentos de sinal da cruz, rezava na gente. Ao que me lembre, nunca constatamos se a reza funcionava ou não, porém, jamais a dispensamos. Uma curiosidade: Chico copiava os nomes dos filhos de Geraldo para os seus, em homenagem ao amigo doutor de quem ele tanto gostava, e que admirava e respeitava.

Negro, alto, seco e de esguia postura, Chico também era um desportista. No futebol, sem ter um tostão no bolso, presidiu um time chamado Onze Vingadores que, segundo ele, não perdia para seu ninguém nos campos de poeira dos desprovidos subúrbios de Fortaleza nos anos 60. 

Ainda era namorador. Dava o maior valor às “crucas”, como ele se referia às namoradas. Em certa ocasião, como de costume escondido de sua santa mulher batizada Medalha, conquistou o coração da empregada doméstica Marié, que era a cara da Zezé Macedo ,piorada e fazendo careta. Marié se inventava de difícil para Chico, mas não resistia aos gracejos do conquistador. Quando ele chegava perto da moça, e entre finos assobios de soim, com todos os erres, gracejava “está correndo um vento pela minha retaguarda”... Aí, ela se derretia todinha e se entregava. 

Muitos anos depois, Chico trabalhou de vigia na empresa do Gera Teixeira e Chiquinho Aragão. Como se pelava de medo de alma, ele espalhava copos d’água pelo prédio para espantar as assombrações.

Depois disso, o Chico sumiu do mapa, até que, por acaso, o avistei passando em frente ao edifício em que eu morava. Acenando, chamei e o convidei para partilharmos a refeição matinal. Tomamos café com pão com manteiga e jogamos muita conversa fora. Peguei uma camisa minha, o presenteei  e quando foi embora, feliz e satisfeito, assim ele despediu-se de mim: “Esse Toinho gosta duma esculhambação...” 

Nunca mais vi o velho Chico Padre. Provavelmente, ele nem esteja mais entre nós. Pois é, tem pessoas com quem nos reencontramos e mal sabemos que estamos é nos despedindo delas, pela última vez e para sempre. 

É a vida...


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