ABJETA E SERVIL ATITUDE
Humberto Ellery*
Para quem não lembra, a sigla Opaq identifica a Organização para a proibição de armas químicas, organização internacional independente afiliada à
Onu, que se dedica a eliminar dos arsenais de guerra as armas químicas, as
quais, juntamente com as armas nucleares e as biológicas, compõem as famigeradas
“armas de destruição em massa”.
Quando a Opaq foi criada em 1997, seu primeiro diretor foi o
diplomata brasileiro José Maurício Bustani, que conseguiu o primeiro acordo
multilateral para destruição de um determinado tipo de armas no mundo (armas
químicas), com prazo para efetuá-lo.
No entanto, logo após o terrível 11 de setembro de 2001, o então
presidente americano George W. Bush decidiu invadir o Iraque, segundo ele,
o grande culpado pelo atentado terrorista, com a justificativa de eliminar as
armas de destruição em massa estocadas em seus paióis.
O Embaixador Bustani, firme e desassombrado, colocou-se contra o
inconsequente Bush. Bustani não só afirmou que o Iraque não dispunha de tais
armas, como expressou o plano de submeter as diversas potências mundiais aos
mesmos critérios investigativos que ele estava desempenhando em todos os
países. O Presidente Bush fez então uma primeira tentativa de afastá-lo da
direção da Opaq que Bustani, de forma apertada conseguiu reverter.
O Embaixador John R. Bolton, diplomata e ex-militar americano
escolhido por Bush para “resolver o problema”, foi enviado a Den Haag
(Haia), na Holanda, sede da Opaq para ameaçá-lo dentro de seu escritório, o que
fez de maneira bem mafiosa: “Eu sei onde moram seus filhos!”. Bustani, cujos
filhos moravam em New York, não se intimidou, mas a pressão americana sobre os
demais países componentes da Opaq conseguiu os votos necessários para afastá-lo
da Direção em abril de 2002. No ano seguinte Bush invadiu o Iraque.
Depois de uma guerra absolutamente assimétrica, covarde mesmo,
quando tesouros arqueológicos viraram escombros, descobriu-se que, como
afirmara Bustani, o Iraque não tinha armas de destruição em massa.
Com a ascensão dos democratas Clinton e Obama, os republicanos
ficaram afastados do poder, o que permitiu a Bustani exercer diversos outros
cargos diplomáticos com o brilho de sempre, livre da perseguição republicana da
Era Bush. Como fruto da continuação do belíssimo trabalho que Bustani iniciou
na Opaq, a Academia Sueca a agraciou com o Prêmio Nobel da Paz em 2013.
Passaram-se os anos e os republicanos voltaram ao poder nos EUA,
agora sob a batuta de um presidente ainda mais estouvado e despreparado do que Bush-filho:
Donald Trump. O “Agente Laranja”, como era de se esperar, escolheu para seu
Conselheiro de Segurança Nacional ninguém menos que o arrogante Coronel (também
diplomata) John R. Bolton.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, John R. Bolton é aquele
americano que por primeiro visitou o nosso Presidente Bolsonaro, que o recebeu
à porta de casa com uma espalhafatosa continência, e o levou para tomar café e
pão com leite condensado na cozinha.
Por que eu estou aqui rememorando todos esses fatos? Porque estou com nojo
de uma atitude ignóbil e subserviente da nossa Chancelaria, segundo consta,
orquestrada pelo próprio Ernesto Araújo, e referendada pelo Presidente
Bolsonaro.
Os formandos de 2019 do Instituto Rio Branco, nossos futuros
diplomatas, convidaram para Paraninfo da Turma o ínclito Embaixador (aposentado
em 2015 por limite de idade – 70 anos) José Maurício Bustani. O Chanceler então
ordenou que Bustani fosse desconvidado para não aborrecer o Presidente
Bolsonaro, hoje grande amigo do John R. Bolton. A ser verdade, será a mais
abjeta e servil atitude da nossa outrora altiva casa de Rio Branco. José Maria
da Silva Paranhos Junior, com certeza, está chorando no seu túmulo!
COMENTÁRIO
Assim como o articulista, ando muito crítico da diplomacia
bolsonária. Não exatamente por procurar aproximação amistosa com as grandes
democracias do mundo, que também são grandes economias – mantendo sadias relações comerciais com as ditaduras economicamente portentosas, como árabes e chineses. “Amigos,
amigos; negócios à parte”.
O que me incomoda são os ademanes excessivos do Presidente, que não
sinalizam a altivez verde-amarela ante os líderes de outros povos. Não faz
sentido se mostrar subserviente, fazer referências às expectativas eleitorais
de dirigentes estrangeiros, dizer que os admira e que “ama” a nação visitada, denunciando o odiento “viralatismo”
Nelson-rodriguiano.
Porém, Ellery anda com a “lanterna de Diógenes”, e com a lupa de Sherlock
Holmes, buscando qualquer jaça moral, nos homens ou nos atos do Governo
Bolsonaro, no qual tem dito que votou tampando o nariz – já que o PT lhe era
indigesto e a candidatura do PMDB entrou em absoluta inanição.
Segundo me parece, Ellery não consegue a
necessária isenção para entender a rejeição da direita contra quem ostente a estrela vermelha. Quem se vê posando orgulhosamente acima é o Embaixador Maurício Bustani. “Um quadro vale mais que mil palavras”.
Reginaldo Vasconcelos
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