EXTREMISMO
Rui Martinho Rodrigues*
A adjetivação extremista tem se tornado frequente. Os significados
dicionarizados do termo podem preconizar soluções radicais (ir à raiz),
revolucionárias, violentas, imposição de práticas, costumes ou ideias pela
força ou coação, autoritário, totalitário. A sinonímia remete a radical,
violento, intransigente, inflexível, completo, integral.
Conduta típica do extremismo é focar nos pontos inconciliáveis,
evitando os conteúdos em que possa haver uma composição ou entendimento. As bases
do extremismo são desconhecidas por muitos extremistas.
Uma destas bases é a Teoria da História que pretende ir à raiz das
explicações, exaurindo-as com reducionismos, como aquele que considera o
conflito o motor das mudanças históricas, promovendo a conduta conflitiva (na
guerra vale tudo).
A concepção das ciências humanas como normativas, ao invés de
meramente descritivas, compreensivas ou – quando muito – explicativas, é outra
das bases aludidas. Supostamente, fundamentam juízos valorativos, introduzindo
a concepção maniqueísta de luta do bem contra o mal, ou do “nós contra eles”.
A teoria do conhecimento que tem a presunção de “partir do real”, apresentando-se
como a expressão da realidade, embora pratique abusivamente uma “hermenêutica engajada”,
enseja a visão do outro como ignorante ou agente do mal.
A concepção de consciência falsa, atribuída à maioria, e a
verdadeira, que seria a dos “esclarecidos”, leva ao verbo conscientizar,
eufemismo para “fazer a cabeça”. Aqueles de falsa consciência devem ser
catequizados. Os letrados que resistem à catequese devem ser destruídos, sem
embargo das proclamações por uma cultura de paz. Contradições não inibem a
presunção de consciência superior.
A defesa do relativismo cognitivo e axiológico não impede a qualificação
das próprias cogitações como indubitavelmente verdadeiras. O uso de adjetivos
pejorativos é típico do extremismo. A adjetivação é a prática de quem não tem
argumento e tenta desqualificar ou intimidar o outro, e subestima a capacidade
de leitores ou ouvintes para proceder à qualificação autonomamente.
A falta de informação e a desinformação também exercem poderosa
influência na gênese do extremismo. As redes sociais, como toda uma geração de
professores e formadores de opinião, que foram instruídos segundo uma só
tradição teórica e metodológica, fortalecem a ideia de que a divergência é
ignorância ou má-fé. Tradições respeitáveis e eruditas são inteiramente
desconhecidas pelos nossos letrados, que só conhecem delas caricaturas
tendenciosas, feitas por seus críticos.
As insatisfações pessoais e outros aspectos psicológicos são outras
fontes de atitudes agressivas e intransigentes. Contribuem para a
intransigência considerar o diálogo uma competição, na qual um ganha e o outro
perde; ou como um jogo no qual não se aceita o que o outro diz, por temer que
daí a três “jogadas” poderá levar a uma conclusão contrária ao pensamento intransigente.
O voluntarismo de quem condiciona a aceitação da realidade ao seu juízo de
valor, a exemplo de quem não pode aceitar a austeridade orçamentária, ainda que
fique demonstrada a necessidade dela, alegando que “não pode aceitar uma lógica
desumana”, esse tem o DNA do extremismo.
Quem precisa de vilões para odiar e vítimas para defender, como D.
Quixote, que sonhava ser herói virtuoso; e quem precisa de uma teoria que
ofereça um bode expiatório para os seus fracassos; ou assume pose de
intelectual com o radicalismo verbal das explicações tão sofisticadas quanto
erradas, estes têm o germe do extremismo.
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