DIREITA E ESQUERDA
GOLPE OU CONTRAGOLPE
DITADURA OU “DITAMOLE”
Reginaldo Vasconcelos*
O País está dividido
entre sensatos e insensatos, cada lado atribuindo ao outro lado esse último
adjetivo, e reclamando para si aquele primeiro. E cada um dos dois lados está
subdividido.
A esquerda tem a ala
dos ideológicos, e a ala dos fisiológicos; a direita, por sua vez, tem os
passionais, que apostam todas as fichas no Bolsonaro, e os racionais, que votaram nele mas receiam que seu governo não
prospere.
É bom lembrar a todos
que, seja como for, nós não retornaremos à política anterior, se Bolsonaro fracassar. O risco maior é
de recrudescimento da direita.
Qual a distinção entre o esquerdista ideológico e o
esquerdista fisiológico?
O esquerdista ideológico, em geral, é intelectual de
formação marxista, imbuindo dos mais nobres sentimentos em relação à alteridade.
O seu foco é o outro, inserido no conceito de coletividade.
Embevecido desde a juventude com a teoria humanitária e
messiânica em que o marxismo é embasado (aqueles das gerações mais novas, não
raro, por influência de ascendentes), o esquerdista propõe a solução de todo o
sofrimento social, e se apresta à tarefa épica de tentar implementá-la.
O perfil do esquerdista ideológico é o de um professor, ou
de um jornalista, ou de um escritor, ou de um artista, ou de um parlamentar –
enfim, sempre de um teórico – nunca de um operário eficiente, ou de um
cientista aplicado, ou de um servidor público valoroso, ou de um executivo
disputado no mercado, ou de um empreendedor bem sucedido. Em vez de um efetivo
produtor de riqueza, ele se posta como guardião e difusor de um ideário
igualitário.
A ideologia de contestação é um grande atrativo para o espírito
revolucionário peculiar à juventude, de modo que a militância de esquerda
alcança principalmente os estudantes, os quais, em busca do heroísmo estoico
que caracteriza os arroubos juvenis, via de regra negligenciam a boa formação
curricular para se informar na literatura extravagante.
Na essência, o esquerdista ideológico acredita e defende
que caiba ao Estado controlar o destino das pessoas, evitando qualquer
desigualdade social, e que isso corresponda a uma norma intuitiva de justiça universal.
Pensa ele que a sorte de cada um deve ser moderada, e
politicamente garantida, sem interferência do mérito intelectual, operacional
ou artístico de cada um, que o desiguale socialmente, bastando que seja
conformado e obediente ao totem doutrinário.
Os esquerdistas modernos não o declaram, procuram negar,
justificar ou esquecer, mas onde o socialismo real foi ou é aplicado, aqueles
que não atinjam o padrão moral ou ideológico para se conformarem naquela
igualdade social idealizada devem ser eliminados pelo Estado – 20 milhões de
vítimas na União Soviética, 65 milhões na República Popular da China, mais 20
milhões pelo mundo afora.
Como o sistema de Justiça adotado pela doutrina da esquerda
é pragmático – isento de qualquer inspiração mística, inflexão religiosa ou
fideísta, portanto sem a concepção da dita “Justiça Divina”, entrevista no
pecado e no castigo – matar alguém não tem nenhum reflexo transcendente, sendo
menos grave para o Estado fazê-lo que tolerar a reacionária dissidência.
E como identificar o esquerdista fisiológico?
Este é alumbrado pelo diagrama ideológico, de que se torna
defensor radical, porque tendo negligenciado a própria sorte e se equivocado
nas escolhas juvenis, ou porque lhe faltou a energia necessária para prosperar
melhor, ou mesmo por ter encontrado infortúnios graves, ele “perdeu o bonde da História” e no íntimo se considera o injustiçado social cujos interesses a
doutrina de esquerda se propõe a defender. Isso explica a pecha de “ideologia da inveja”.
Move-o a ideia subliminar de poder evoluir politicamente, socialmente,
patrimonialmente, independente de esforços intelectuais e laborais – mas apropriando-se por via política do que a iniciativa privada e o trabalho
industrioso alheio acumulou. Entre eles, o rebotalho profissional do operariado,
do campesinato, do funcionalismo.
O grande antípoda da esquerda é o empresariado – formado por aqueles que somaram a sua ideia-força pessoal à força de trabalho coletiva
para a produção de riqueza, ocasionando a distribuição de renda e a concentração
de capital. Os esquerdistas em geral satanizam o patronato como classe opressora do operariado.
A busca do enriquecimento pessoal é o “coelho mecânico”
perseguido pelos capitalistas, constituindo-se no grande atrativo psicológico
da direita – demonizado pelos socialistas. Entretanto, quando eventualmente um destes atinge bons patamares econômicos, e se habitua ao luxo e ao fausto, esquece os antigos ideais, embora algumas vezes mantenha o discurso de paladino da igualdade social.
Aliás, no campo da economia, essa é a grande distinção
entre a esquerda e a direita. O direitista acredita no capitalismo, na concepção de que a riqueza gera riqueza, de que a riqueza não é a causa da pobreza. Para o capitalista, o
empreendedorismo é considerado a melhor maneira de servir à sociedade,
propiciando o crescimento econômico, o desenvolvimento científico, enfim, o
progresso, na busca lícita do lucro, cumprindo a sua função social por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, da produção de bens da vida, da criação de empregos e do recolhimento de tributos.
Como o Brasil viveu o trauma de uma ditadura militar, as
Forças Armadas, antes muito respeitadas pela sociedade brasileira, passaram a
ser vítimas de um agudo preconceito preconizado por parte da esquerda, que envolve toda a sociedade, como se estivessem
necessariamente vinculadas à extrema direita mundial, e ao risco de uma nova ditadura direitista. Entretanto, nas ditaduras
socialistas, portanto de esquerda, o militarismo é o grande instrumento de opressão, manipulado pelos
déspotas.
Sim, tivemos um golpe militar no Brasil em 64, que ocasionou uma ditadura
de direita durante 20 anos – equivoca-se o Governo Bolsonaro ao tentar negá-lo.
Mas a questão não é essa exatamente. O ponto que o
Presidente e os Ministros generais querem evidenciar se refere às razões do
golpe, que realmente contava a princípio com amplo apoio popular – e os jornais
da época são provas incontestes.
O País estava diante do caos administrativo, da incerteza
política, da ameaça ideológica, quando as revoluções comunistas pipocavam pelo
mundo, pregando o materialismo e praticando execuções, o que assombrava a eminentemente católica e conservadora sociedade brasileira.
Os fatos históricos que os militares querem resgatar – sem
negar os desvios e exageros de parte a parte – é que cabia na época às Forças
Armadas uma enérgica ação patriótica contra ideologias estrangeiras, que
ameaçavam a liberdade, a cultura tradicional e a sociedade nacionais.
Defendem os militares atuais que, a custa de sangue, suor e lágrimas, seus antecessores cumpriram
esse papel institucional, protagonizando uma pequena tragédia histórica,
segundo dizem, inevitável.
“Pequena tragédia” porque resultou em algumas centenas de
vítimas – todas e cada uma lamentabilíssima – porém as grandes revoluções e
guerras, historicamente, contam os mortos e feridos e mutilados e desaparecidos
aos milhares, ou milhões, muitos deles civis inocentes.
O dado histórico importante, que a esquerda não considera, é que os
militares terminaram por devolver o poder aos civis, e a promover a abertura
política, bem como propuseram a anistia – ampla, geral e irrestrita –
espontaneamente, quando entenderam que estava superada a ameaça comunista.
Tradicionalmente, ditaduras clássicas, promovidas pela sede
de poder de um condestável, de uma família, ou de um grupo político, não duram apenas
vinte anos, mas permanecem até serem violentamente derrotadas, e não costumam
depor as armas e restaurar a democracia.
Acontece que, embora hajam vencido os seus opositores – e a versão oficial da História costuma ser escrita pelos vencedores – no Brasil o Regime Militar, ao promover a abertura política, cedeu aos grupos políticos que vencera e anistiou a oportunidade de dar aos fatos do período a narrativa vitimária. É esse efeito que o Governo Bolsonaro está tentando reverter ou mitigar.
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