quinta-feira, 18 de abril de 2019

ARTIGO - Desespero (RMR)


DESESPERO
Rui Martinho Rodrigues*



O Presidente do STF quebrou a regra da inércia do Judiciário ao tomar a iniciativa da persecução penal movida contra divulgadores de notícias supostamente falsas. Procurou escudar-se no Regimento Interno do STF, mas não convenceu. Foi o primeiro choque de uma série. Violou a exclusividade da competência constitucional do Ministério Público (MP) concernente ao exercício deste mister, segunda perplexidade. Designou o relator para o caso como escolha discricionária, ao invés de sorteio, terceira surpresa. O inquérito assim instaurado não teve clara definição do objeto, quarta irregularidade.

A Procuradora Geral da República, Raquel Ellias Ferreira Dodge, manifestou-se contrariamente à iniciativa. O relator, Alexandre de Morais, ignorou a decisão da mais alta autoridade do MP. Nas instâncias inferiores o MP apenas recomenda o arquivamento de inquéritos ou processos porque o magistrado poderá recorrer ao nível superior do MP. 

A recusa da chefe da PGR, porém, emana do mais alto nível do Parquet. O Judiciário não tem a quem recorrer contra ela. A questão, portanto, deveria terminar neste ponto. Raquel Dodge deveria ter comunicado ao STF a decisão de arquivamento do feito. Não é o caso de emitir parecer. O desprezo para com a decisão do MP, demonstrado pelo relator, ministro Alexandre de Morais, é o quinto movimento nesse jogo enigmático e estranho ao Direito.

O relator mandou retirar matéria jornalística de dois veículos de comunicação. A iniciativa de promover uma ação contra jornalistas e cidadãos que se pronunciam pela internet, sem perder nenhuma oportunidade de incorrer em irregularidades, não bastou. Era preciso cercear a liberdade de informação. Temos o sexto desrespeito ao Direito em um só caso.

As múltiplas possibilidades de interpretação, gerando divergências, é natural em matéria jurídica. Existem, não obstante, limites para o “entendimento livre” do magistrado, que deve ser “fundamentado” na lei, Jurisprudência, hermenêutica e doutrina. Neste caso a jurisprudência do STF foi quebrada, a doutrina constitucional ignorada, a literalidade do ordenamento pátrio rasgada, na positividade da sua literalidade – que não se confunde com literalismo, como positividade não se confunde com positivismo.

Quantos jovens foram reprovados nas faculdades e exames de ordem por errar muito menos do que os supremos ministros. O que teria levado magistrados experimentados, e auxiliados por assessores qualificados, a cometer erros tão elementares. A judicialização da política resulta na politização do Judiciário. A política é um campo conflagrado.

As relações sociais em geral estão sofrendo intenso processo de judicialização, por força da constitucionalização do Direito privado. A Constituição analítica, dirigente e programática, que positivou princípios anteriormente usados para cobrir lacunas da lei, deu ao Judiciário enorme poder político.

O grande prestígio de novas doutrinas encorajadoras do ativismo judicial, da banalização autopoiese do Direito, da ampliação das garantias constitucionais para o campo das relações horizontais potencializam a politização do Judiciário.

A embriaguez do Poder desorienta. Tantos erros juntos lembram os sinais e sintomas do uso excessivo de álcool. Reação tão forte diante da notícia de um fato objetivo como a existência de um acordo de colaboração negociada, contendo tal acordo declarações comprometedoras de autoridade não deveria provocar reação tão desesperada. O tempo, provavelmente, dará resposta para a indagação: qual o motivo da atitude tão desarvorada na mais alta corte?



COMENTÁRIO

Ninguém se dispõe a enfrentar um leão com um canivete. Mas, se um leão atacar, e a pessoa só dispuser de um canivete...

O Ministro Dias Toffoli certamente sabe – e se não sabia deve ter sido advertido pela sua assessoria – que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não passa de um canivete, comparado ao arsenal normativo da Carta da República, da qual todo o ordenamento jurídico dimana.

Obviamente Toffoli também previa a repercussão negativa de seus atos, juridicamente teratológicos – quebrando a regra da inércia do Poder Judiciário, que precisa ser provocado, pela parte ou pelo Ministério Público. Não pode, de ofício, acusar, investigar e julgar causa nenhuma, o que só nas ditaduras acontece.

Ademais, conforme observa Rui Martinho Rodrigues, não podia o Presidente do Supremo designar relator para a sua ação esdrúxula, pois o princípio jurídico da impessoalidade impõe a escolha randômica do juiz, a nomeação aleatória, o sorteio entre os competentes juízes naturais – e de tanto saber disso ele já está quase careca.   

Mas o leão está faminto e a carne é fresca, e não vale morrer sem esgrimir de alguma forma. Tem-se um homem acuado, agindo em desespero, contra a fera da “CPI da Lava Toga”, que é inexorável. O pica-fumo suíço poderia, quem sabe, acertar ponto sensível do felino, antes da mordida fatal, fazendo-o, talvez, recuar. Mas aconteceu o mais provável. Foi um tiro pela culatra. A censura a um veículo de imprensa fez repercutir a sua denúncia na mídia inteira, multiplicando o efeito que a interdição pretendia evitar, e diversos estamentos da Justiça, até mesmo alguns dos supremos pares, caíram de unhas e dentes sobre a “vítima”.

A rede social da internet ruge contra ele; a imprensa nacional lhe mostra as presas; Senadores da República pressionam o Presidente da Casa para pautar um dos pedidos de impeachment contra integrantes do Tribunal, que têm participado de julgamentos sem reconhecer a sua patente suspeição, incorrendo em evidente conflito de interesses.

Enfim, ironicamente, era das Forças Armadas, sob o Presidente Bolsonaro, que se temia retrocesso autoritário.  “De onde menos se espera, é dali que sai”, como diz o velho ditado.

Reginaldo Vasconcelos


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