CLASSIFICANDO O FASCISMO
Rui Martinho Rodrigues*
Classificar o fascismo como direita ou esquerda está em debate.
Acomodar ideias e práticas em apenas dois polos é reducionismo. Leva ao
descarte das diferenças e semelhanças. Até pessoas letradas e bem informadas
parece não compreenderem que jogar liberais e conservadores no mesmo balaio
(direita) é misturar profundas diferenças ontológicas.
A classificação do fascismo tem suscitado a lembrança de diferenças
e semelhanças. A guerra germano-soviética, o conflito ideológico extremado
entre fascistas e comunistas indicam diferenças ontológicas? Nacionalismo, como
fator diferenciador de ideologias tem sido esquecido. O etnocentrismo
eurocêntrico também.
A guerra entre a URSS e a Alemanha nazista, todavia, não resolve o
problema da classificação de ambas as correntes na mesma vertente: o
esquerdismo. A invasão chinesa do Vietnã (1979), causando a destruição de uma
das mais importantes cidades vietnamitas, foi uma luta entre comunistas. A
invasão do Cambodja pelo Vietnã (1978) também. A URSS mantinha mais tropas na
fronteira da China, onde houve combates com artilharia, preparadas para uma
guerra, do que nas fronteiras da OTAN. Brigas entre irmãos são as mais
violentas.
Grupos de convicção conflitam por coisas mínimas. Têm o DNA de
religiões. Percebem divergência como heresia, coisa de “infiltrado” ou traidor.
Querem saber “de que lado a pessoa está”, e não compreender as suas razões.
Alexis de Tocqueville (1805 – 1859) vaticinou, em 1831, na obra Democracia na
América, a grandeza dos EUA. Baseou sua previsão no fato de serem os partidos
americanos organizações de interesses, não de convicções. Estas são
intransigentes, dificultam a governabilidade e não reconhecem nem corrigem os
próprios erros. Raymond Aron (1905 – 1983), na obra “O ópio dos intelectuais”,
identificou correntes políticas de convicção com religiões políticas.
Religiões se dividem e formam ramos conflitantes. O cristianismo
tem inumeráveis denominações. O Islã, além de divisão entre sunitas e xiitas,
tem outras tantas tendências no interior de cada um desses ramos. No interior
dos vagos rótulos de “esquerda” e “direita” se abriga uma gama de correntes
ontologicamente distintas. Colocar sob cada tendência em um dos balaios não
exige mais do que algumas afinidades.
Comunistas e fascistas formam partidos de convicção, no que temos
uma primeira afinidade. O messianismo político é um dos argumentos usados pelos
que percebem como religiões civis o comunismo e o fascismo. Outra afinidade.
A ética dos fins (teleológica) se insinua entre religiosos. Queimar
alguém na fogueira é um meio cruel que a convicção legitima em nome de uma
finalidade excelsa: salvar a alma. Matanças e genocídios são praticadas por
religiões políticas em nome de um “mundo melhor”. O fascismo pratica a ética
teleológica, conduta observada também sob o rótulo das esquerdas. Outra
afinidade.
A violência é a tendência de quem entende que o conflito é o motor
da História. Fascistas pensam assim, e a esquerda também. Mais uma afinidade.
A disciplina dos partidos de convicção, implantada por Vladimir
Ilych Ulyanov (Lenin – 1870 – 1924) como “centralismo democrático”, é a
militarização dos partidos, é disciplina de caserna de quem pensa que o motor
da História é para o conflito. Fascistas formam partidos orgânicos,
disciplinados, semelhantes aos leninista. Outra afinidade.
O culto à personalidade dos líderes, a exemplo do culto a Joseph
Vissarionovich, Stalin (1878 – 1953); Fidel Alejandro Castro Ruz (1926 – 2016);
Benito Mussolini (1883 – 1945); e Adof Hitler (1889 – 1945) – é mais uma
afinidade entre fascistas e esquerdistas.
A conversão de fascistas ao esquerdismo e de esquerdistas ao
fascismo é notável. O Partido Peronista, tão fascista que deu abrigo a
criminosos de guerra alemães, hoje é um partido esquerdista, sem mudar o seu
DNA. O varguismo, de tendência fascistóide, transformou-se em partido de
esquerda, com João Belchior Marques Goulart (1918 – 1976).
A intelectualidade brasileira, na sua quase totalidade, era
facistoide nos anos 20 e 30. Após a IIGM converteu-se prontamente ao
esquerdismo. A China e o Vietnã passaram rapidamente do socialismo real para o
fascismo, com o mesmo partido e os mesmos líderes no poder. Conversões tão
rápidas sugerem afinidade.
Havendo tantas afinidades, o fascismo é de esquerda? O mundo
acadêmico diz não, mas é o ópio dos intelectuais que os move. Isso iria
denegrir os partidos esquerdistas? A perguntar deve ser: as afinidades procedem
ou são falsas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário