GUERRAS E PERDAS
Rui Martinho Rodrigues*
Soldados efetuaram oitenta disparos contra um carro. Nele havia uma
família. Não teria havido ordem de parar, nem tiros de advertência. A patrulha
era de dez soldados, que é um grupo de combate. Usava fuzis de guerra. Os
integrantes certamente eram jovens de 19 anos, prestando serviço militar.

A situação é de conflagração. Ao longo do ano de 2018, a cada dois
ou três dias, um policial foi assassinado no Rio. Bandidos estão equipados com
armas de guerra. As tropas do crime são numerosas, enfrentam batalhões inteiros.
O equipamento delas já abateu até helicópteros. Estatísticas indicam mais de 60
mil mortos no País em um ano. Pode ser muito mais. Não propriamente por sub-registro,
já que mortes geralmente são notificadas. Mas existem registros lançados
equivocadamente em categorias diferenciadas. Desaparecidos são centenas de
milhares. Dez por cento destes podem ter sido assassinados. O número de vidas
ceifadas deve ser muito maior.

Tragédias como esta, dos oitenta tiros contra um carro com
inocentes, trazem de volta o tema das políticas públicas, presença do Estado,
educação e outras medidas de maior alcance do que aquelas típicas de guerra. É
bom pensar em fazer a casa, mas quando ela está em chamas é preciso combater o
fogo. Não se fazem guerras sem leis excepcionais, cuja duração deve ser limitada
no tempo. Nem se exclui a possibilidade de perdas colaterais no transcurso de
uma conflagração. Tais medidas ensejam práticas abusivas indesejáveis.
A escolha de Sofia que se nos apresenta tem como primeira opção
aceitarmos um longo e tenebroso sofrimento na mão de bandidos que despejam
famílias de suas casas, exigem cópia de chaves das residência para ter acesso a
elas quando bem queiram e entendam, arvoram-se ao “direito” de requisitar uma
filha mocinha do pobre para a prestar serviços sexuais, usar a residência do
pobre como depósito de drogas, recrutar filho do pobre para as facções
criminosas etc., esperando pelo resultados de políticas públicas que não
diminuíram a criminalidade nos seis últimos governos dotados de “sensibilidade
social”. Houve o contrário: a delinquência cresceu.
A opção número dois consiste em buscar a implementação de políticas
públicas, analogamente ao esforço de construção da casa, mas combater o
incêndio, fazer guerra com instrumentos legais próprios das conflagrações,
arcando com o ônus das invitáveis perdas colaterais e dos abusos praticados por
agentes do Estado abrigados na legislação de exceção. Qual o mal menor? Quem
tem mais sensibilidade social? Quem acha pouco o sofrimento dos pobres
submetidos ao poder das facções ou quem aceita alguns sacrifícios temporário
para enfrentar a guerra?
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