quinta-feira, 25 de abril de 2019

CRÔNICA - Visita Simbólica a Ferreira Gullar (RV)

VISITA SIMBÓLICA
A
FERREIRA GULLAR
Reginaldo Vasconcelos*


Dona Concita é irmã do poeta, é maranhense portanto, com todos os enes e agás bem pronunciados. Mas casou-se com cearense e vive entre nós, hoje já aos noventa anos de idade.

Acompanhando a confreira Alana de Alencar, que conhece a família, fui visitá-la. “Somos nove irmãos – todos vivos ainda” – Dona Concita diz sorrindo, renitente de que o seu querido mano “José” seja realmente “imorrível”, como de fato é imortal. 

José de Ribamar Ferreira, que ela sempre chamou “José”, era o nome de batismo do seu irmão mais novo, que nas artes e nas letras adotou um sobrenome da família materna – Gullar – para fugir da homonímia.

Ferreira Gullar, que faleceu há apenas três anos, foi poeta precoce, revisor de revistas, crítico juvenil da iniquidade social. Envolveu-se com a esquerda e terminou exilado longamente – União Soviética, Chile, Argentina.  

Ele conta em documentário que não tinha vocação para ser político, nem terrorista, nem militante das hostes, nem revolucionário, mas quando se deu conta era tido como “subversivo”, foi trancafiado e desterrado.

Era jornalista, artista plástico, dramaturgo, crítico de arte, e fundou o movimento poético de vanguarda denominado “concretismo”, em seguida o “neoconcretismo”, mas depois abandonou esses experimentalismos para assumir a sua verdadeira essência lírica.

Muito justamente absolvido e devidamente repatriado, viveu no Rio de Janeiro, onde se casara e radicara, seus últimos anos. Integrou a Academia Brasileira de Letras, deixando um grande rastro de obras imortais.

Na maturidade apostatou do socialismo, que passou a entender que não fazia sentido e que por isso mesmo fracassara. Gullar fora um gentil inconformado social, um abnegado intelectual de esquerda, mas jamais se transformou em um odiento esquerdopata. Tinha coragem para ousar mas  também para evoluir e recuar de suas ousadias mais ingratas.

Eu, que tanto admiro Ferreira Gullar, e que não o conheci pessoalmente, fiquei muito gratificado em abraçar Dona Concita, mais exatamente Maria da Conceição Ferreira, tão semelhante ao irmão no timbre da voz e na cabeleira que, segundo ela mesma, grampos não seguram porque não segura grampos.

Mas também semelha muito o irmão nos traços faciais, na risada larga e cheia de dentes – sendo ela tão bela e ele tão pouco – mistérios da genética. Registrei sua beleza – eu que tenho a habilidade de perceber a bela mulher do passado escondida sob a máscara das idades.  Ela riu com modéstia, mas à boca miúda me revelou, a propósito, que na juventude foi eleita rainha do colégio. 

Foi uma visita simbólica e poética a Ferreira Gullar.



“Mas, se mudou a ração, não mudou a razão que me fez adotá-la como minha companheira de todas as horas, que me acorda, pontualmente, às seis horas da manhã, vindo cheirar meu rosto sob o lençol”. (Quisera ser um gato).

“Quem dera ser um peixe / Para em teu límpido aquário mergulhar / Fazer borbulhas de amor pra te encantar / Passar a noite em claro / Dentro de ti” (Borbulhas de amor).

“Bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era... Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia perdeu-se na profusão das coisas acontecidas constelações de alfabeto”(Poema sujo).

"A arte existe porque a vida não basta".

Ferreira Gullar

    

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