UMA APOSTA NA CRISE
Rui Martinho Rodrigues*
Presenciamos uma aposta no aprofundamento da crise? A manobra
conhecida como “pauta bomba”, usada com sucesso pelo então deputado Eduardo
Cunha, está de volta. Agora a ameaça é engessar ainda mais o orçamento da
União, que passaria a ter uma parcela ainda maior de execução obrigatória. O
Poder Executivo não terá, caso isso se concretize, quase nenhuma margem de
manobra para realizar políticas concernentes ao equilíbrio fiscal.
No sistema presidencialista isso tende a tornar o país
ingovernável. O Parlamento estaria definindo despesas, mas não estaria
assumindo a responsabilidade pelos atos de governo, seu sucesso e fracasso.
Poderia aprovar despesas tais como aumentos salariais e assistencialismos,
simpáticas ao eleitorado. Mas o desastre causado por estas medidas seria
atribuídos ao Poder Executivo.
Maximilian Karl Emil Weber (1856 – 1920) observou que o Parlamento
britânico era melhor do que o alemão, antes da Constituição de Weimar, de 1919.
Explicou que isso ocorria porque o Legislativo tedesco não tinha a
responsabilidade de governar, como o britânico. A prerrogativa de fazer
orçamento impositivo, ao invés de meramente autorizativo poderia ser adotado no
sistema parlamentarista. O Legislativo definiria as despesas, mas também seria
responsável pelo governo, cuja queda arrastaria consigo o Parlamento, ensejando
novas eleições. Assim os senhores parlamentares pensariam duas vezes antes de
criar despesas potencialmente desastrosas.
Pescadores de águas turvas imaginam ganhar com o aprofundamento da
crise. Mas quais seriam os benefícios que ela poderia proporcionar a quem? A
volta da inflação, causada pelos orçamentos bombas não beneficiaria os
pescadores aludidos, independentemente de quem sejam eles. Uma segunda hipótese
seria a quebradeira generalizada dos Poderes Públicos.
União, estados federados e municípios se tornariam financeiramente
inviáveis. A quebradeira geral, no estilo fluminense, beneficiaria alguém?
Governantes perderiam, fracassando administrativamente. Empresários sofreriam
com a inadimplência dos governos. Consumidores sofreriam as consequências do
aprofundamento da crise, principalmente com o desemprego. Opositores poderiam
até herdar o Poder, receberiam um problema que os obrigaria a adotar medidas
draconianas de austeridade, sempre antipáticas.
Além da crise econômica, poderá juntar-se a uma crise institucional.
O Legislativo passou por grande renovação. Reeditar políticas que revoltam o
eleitorado poderá levar a uma renovação ainda mais profunda. O Executivo nada
tem a ganhar, na hipótese de uma crise cada vez maior. O Judiciário está
desgastado. Usurpa a função legislativa quando procede como órgão supletivo do
Congresso, criando leis tacitamente vetadas pelo Legislativo. Este, quando se
omite de legislar conforme o desejo de ativistas e de formadores de opinião, o
faz por saber que o eleitorado não aprova a pretensão aludida.
A quebra da liturgia do Supremo Tribunal Federal, com pronunciamentos de Ministros prejulgando
processos, situações de impedimento ou suspeição não reconhecidas, bem como a instabilidade normativa, deixaram-no totalmente sem prestígio. O aprofundamento da crise,
principalmente no seu aspecto institucional, não trará benefício para o Poder
togado.
A desorientação geral da sociedade atingiu os Poderes da República.
A imagem da “Nau dos insensatos” (Sabastian Brant, 1457 – 1521), poema satírico,
passou a representar navegantes que não sabem nem querem saber para onde se
dirigem. Uma comédia satírica do nosso tempo também representa a situação: “Apertem os cintos, o piloto sumiu” (1980). “Quem ganhar e quem perder não vai
perder nem ganhar”, alguém já disse. Mas, na realidade, todos só têm a perder.
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