O QUE É PÓS-VERDADE?
VERDADES E DÚVIDAS
João Soares Neto*
Voltamos a
reexaminar o discorrido na sexta passada. Somos ou não verdadeiros? Por qual
razão a Oxford University, escolheu “post-truth” como a palavra do ano de 2016?
Terá sido por conta da saída da Inglaterra da Comunidade Europeia, no
plebiscito que optou pelo “Brexit”, desoxigenando a força dada ao Euro, embora,
nos seus domínios, só usasse a Libra Esterlina? Ou terá sido pela eleição de
Donald Trump à Casa Branca e as suas performances diárias?
Como da vez anterior, pedi a alguns “experts”, todos de maior dimensão do que este escrevinhador, para dar uma visão centrada a nos retirar do limbo. Fiz alguns cortes por conta do espaço. Obrigado e desculpem.
Filomeno Moraes,
Doutor, Unifor, diz: “A 'pós-verdade' (e a sua variante mais recente, a dos 'fatos alternativos'), substituindo o 'homo sapiens' pelo 'homo videns' e
acentuando a idiotia do politicamente correto, da manipulação marquetológica e
do engano ou autoengano, sobretudo no plano da política, ao contrário daquela
promessa, é o destino nestas primeiras décadas do século XXI.
Em suma, a marcha
batida da insensatez por meio da alienação, da cobiça e da covardia moral que
brutalizam a vida humana, alhures e… aqui, parece dizer aos últimos herdeiros
da herança iluminista que a nossa república não é neste mundo.”
Antônio Torres, da
Academia Brasileira de Letras: “Não será pós-verdade uma forma sintética de um
dizer antigo de que “o que importa não são os fatos, mas suas versões?”.
Paulo Elpídio de
Menezes Neto – Cientista Político: “Ela surge, de fato, pelos desvãos das redes
sociais. Mas é com o escritor americano Ralph Keyes que ganha dimensão
política. Maquiavel já o pressentira e identificara nos discursos e nos gestos
e atitudes dos homens do poder. O 'Post-Truth Politics' é uma forma de
mentira, o laço pelo qual os atores políticos arrancam o apoio dos eleitores,
dos súditos, ao dizerem o que as pessoas desejam ouvir. É o 'pós-factual', o
que se poderia chamar de 'truthiness', quando se toma uma coisa por verdadeira
sobre a base de simples pressuposto afetivo. A 'pós-verdade política' corresponde ao fim da objetividade na política”.
Antônio Colaço
Martins – Reitor da UVA – “Levanto duas hipóteses: se o 'pós' da expressão 'pós-verdade' foi usado no sentido temporal, ressalta a historicidade ou
transistoricidade da verdade e suas consequências. Com efeito, historicamente,
o que foi é, ou seja, continua a ser, de certo modo, em suas consequências ou
desdobramentos; se o 'pós' foi utilizado para significar 'para além de' põe em
evidência algo a mais, algo superativo da ordem objetiva ou subjetiva, como por
exemplo, as emoções e crenças advindas da 'pós-verdade'.
Neste sentido,
diz-se que, para ornar a grandeza de um ser humano, além da verdade, é mister
que apresente bondade e simplicidade como 'pós-verdades'. Na esteira de
Sócrates, dos Estoicos e de Santo Agostinho, Tomás de Aquino (1225-1274)
reconhecia o valor noético da afetividade. Blaise Pascal (1623-1662) doutrinou que
o coração tem razões que a própria razão desconhece e opôs as “ideias
emocionantes” às “ideias claras e distintas” de Descartes (1596-1650).
Sören Kierkegaard
(1813-1885) é ainda mais dogmático ao concluir que: a subjetividade é a
verdade. Nicolai Alexandrovitch Berdiaef (1875-1948), sem tergiversar, afirma o
primado cognoscitivo do coração sobre a razão, da existência subjetiva sobre o
mundo objetivo. Assevera com todas as letras: é o homem total que conhece, mas
é o coração que está no centro do homem total”.
Clareou? Admitindo que permaneçam dúvidas, voltaremos ao assunto.
COMENTÁRIO:
O termo “pós-verdade” é apenas um neologismo que se insere na sinonímia de “mentira”. Não tem o caráter eufêmico de “inverdade”, de “potoca”, de “peta”, de “ficção” – nem a força agressiva de “balela”, “patranha”, “aleivosia”, “falsidade”.
Não há sinônimos exatos. Cada um deles traz em si uma carga conceitual própria para significar e já qualificar de forma diferente uma mesma coisa. “Puta”, “quenga”, “meretriz”, “cortesã” e “prostituta” indicam pessoas de uma mesma atividade, mas conferindo a cada uma distinto “odor psicológico”.
No caso de “pós-verdade”, parece que o criador da expressão quis denotar e consagrar o prestígio que a comunicação eletrônica globalizada tem conferido às versões criativas, as tais “narrativas”, facilmente difundidas e abonadas, em detrimento dos fatos reais que as originam.
Não saberia eu estabelecer uma graduação exata entre as virtudes e os efeitos nocivos de se estabelecer a “pós-verdade”. Posto que a verdade seja soberana, nem sempre ela convém aos melhores sentimentos e ao melhor convívio. Ela é sempre muito mitigada no amor e nos negócios, na sociedade e na política.
As vestes de todos, a maquiagem das mulheres, a pintura do concreto, a pele sobre a carcaça, tudo isso é expediente utilitário contra a verdade nua e crua. Ninguém vivencia suas próprias vísceras, que, porquanto sejam absolutamente reais e presumíveis, não são necessarimente presentes à consciência das pessoas, pois somente à grotesca poesia Augusto-anjeliana interessavam.
Aliás, à poesia muito mais interessa a pós-verdade, na sua linguagem conotativa, como de forma metalinguística o reconhecem Fausto e Patrúcio na letra da canção Frenesi. “Fosse paixão, frenesi / Doce ilusão, moça bela”.
Reginaldo Vasconcelos
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