O HOMEM, QUEM É ELE?
Rui Martinho Rodrigues*
Matar para roubar ou por algum motivo, por mais torpe que seja, tem
uma razão conhecida. Matar por matar, vitimando o maior número possível de
pessoas, desafia o pressuposto de que toda ação voluntária tem uma “lógica” ou
motivação racional. A “razão” deve ser compatível com as referências culturais
do meio social. Latrocínio visa vantagem material. Vingança pode ser a
expressão de um sentimento ou valor em uma cultura.
Matar em massa e sem motivação aparente foge às referências do meio,
e até aos padrões universais. Exige análise multifatorial que inclua outras
considerações, além da discussão sobre briquedos, jogos, bullying e instrumentos potencialmente perigosos. Estes lamentáveis
fatos estão se repetindo com frequência crescente. A Antropologia Filosófica pode
contribuir para a compreensão do fenômeno.
Alex Carrel (1873 – 1944) debruçou-se sobre quem somos nós, na obra
“O homem, esse desconhecido”. Realmente somos uma incógnita. Somos animais
racionais? Indubitavelmente temos capacidade de raciocínio. Nem sempre, porém,
somos guiados pela razão.
O inconsciente meio insondável, pulsões de vida (Eros) e de morte
(Tanatus), segundo Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939), nos influenciam
fortemente. Por outro lado, a psicologia evolutiva invoca a filogênese,
envereda pelas condições da seleção natural, ligadas à sobrevivência durante
milênios.
Battista Mondin (1926 – 2015) pergunta, logo no título de um livro:
“O homem, quem é ele?”. Respondendo a indagação, sem nenhuma relação com a obra
de Mondin, Renê Noel Theóphile Girard (1923 – 2015) diz que o homem não tem uma
especificidade. A coruja é especializada unicamente na caça noturna. O homem
tem infinitas possibilidades de desenvolvimento. Qual escolher? Não se trata de
especialidade profissional, mas de identidade. A busca de identidade se faz
pelo mimetismo. O homem é o animal que imita.
A imitação segue ícones. Os pais foram associados ao patriarcado e
desautorizados. Clérigos cometeram suicídio moral. Estadistas foram imolados
pelos processos eleitorais deformados. Autoridades corromperam-se. Professores
e intelectuais caíram do pedestal. Bandidos adquiriram status híbrido de mártires e heróis. A vitimização os levou a
desafiar o “sistema”. A dessacralização dos mores e a destruição de estruturas
e referências arcaicas não foram substituídas por instituições culturais,
políticas e sociais modernas.
O mimetismo engendra também a vontade de tomar o lugar do outro,
eliminando-o se necessário. O conflito mimético (inveja) pode se apresentar
como defesa da igualdade. George Orwell (1903 – 1950), em “A revolução dos
bichos”, desmascarou a farsa expondo a fórmula encontrada pelos revolucionários
para instituir desigualdades: todos são iguais, mas alguns são mais iguais.
Matar sem motivo aparente é mimetismo?
Voltamos aos jogos eletrônicos e aos “novos gestores da moral” para
os quais bandidos são híbridos de vítimas e heróis, que jogam futebol com
cabeças humanas. A celebridade dos bandidos estimula o mimetismo. Nos
noticiários policiais e nos filmes bandidos são celebridades. Notoriedade
repulsiva e póstuma pode ser atraente.
O templo de Ártemis, em Éfeso, uma das Sete Maravilhas do Mundo
Antigo, foi incendiado por Heróstrato, em 356 a.C. O incendiário, antes de ser
executado, disse que seria lembrado para sempre. Alcançou o seu desiderato.
Quem os nossos jovens imitam? Quem ganha notoriedade com a divulgação
de imagens e nomes de matadores? Niilismo e anomia tudo banalizam. Não têm
limites. Só a notoriedade escapa. Quem destruiu os limites semeou anomia. Quem
semeia ventos colhe tempestade.
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