A POLÍTICA ADJETIVADA
Rui Martinho Rodrigues*
O debate político resvalou para a adjetivação. Fascista, comunista,
radical, extremista, direita, esquerda, reacionário, progressista, estúpido,
preconceituoso, ignorante, machista, homofóbico e tantas outras formas de
adjetivação, de sentido agressivo, dominaram todos os espaços da política. Até
a produção intelectual foi afetada.
Embora continue sendo recomendado nos manuais de metodologia que
se evite a superficialidade do uso de adjetivos, as dissertações e teses
acadêmicas abrigam cada vez mais qualificativos como machista e homofóbico. A
tentativa de suprir a falta de conteúdo substantivo por qualificações tem o
vezo de concluir antecipadamente, dando as conclusões do autor como fato
público e notório, apto a dispensar fundamentação fática e análise. Retira do
leitor a prerrogativa da formular seu próprio juízo. É conduta de pregador,
talvez ligada atavicamente ao messiânico da educação jesuítica, que era proselitista,
com forte carga maniqueísta.
Isso tem sido combatido quando praticado por gente simples nas
redes sociais. Os meios tradicionais de comunicação, todavia, praticam em larga
escala a adjetivação, juntamente com o uso de advérbios de intensidade. O
adjetivo “direita” vem sempre acompanhado do advérbio de intensidade “extrema”.
Jornalistas, muitos dos quais, por força das limitações financeiras
das empresas de comunicação, têm a ingrata missão de ser especialista em tudo,
usam e abusam da indução por exclusão, que consiste em analisar, no curso de um
debate, uma ou mais possibilidades e, após excluí-las, dizer que então um
pensamento ou um fato “só pode” levar a um resultado ou ser típico de um
adjetivo, uma outra opção que é então apresentada. Esta passa a ser dada como
confirmada ou infirmada, conforme o caso.
Trata-se da mais equivocada forma de indução. O caminho do sofisma
e do erro fica assim escancarado, pois as possibilidades de raciocínio não
podem ser dadas como exauridas após a apresentação de algumas delas,
principalmente quando a enumeração do suposto conjunto de todas as opções é
feita por um “tudólogo” que nem sempre conhece a semântica do léxico em exame.
Adjetivos e indução por exclusão, além da inconsistência lógica, da
nítida carência de base factual e da tendência ao sofisma, facilmente
introduzem a agressividade, o desrespeito e a agressão. Assim desmentem a
suposta superioridade moral e intelectual dos que se presumem esclarecidos. O
laicismo também comprometido pelo uso da convicção dogmática como fundamento de
validade do raciocínio.
A passionalidade não é surpreendente em política. Mas tende a
comprometer a validação do discurso. Também tende a promover a agressividade.
As partes dos conflitos geralmente se acusam mutuamente de iniciar as ofensas.
Mas uma forma de saber quem é mais agressivo é observar quem intimida mais a
outra parte. A diferença nos dados
obtidos em pesquisas eleitorais e os resultados verificados nas urnas têm sido
atribuídos ao “voto envergonhado”. Não seria este um voto intimidado, ao invés
de envergonhado? É razoável pensar que sim.
Quem teme declarar o voto? Este é o intimidado, é o que não
intimida o outro. Quem não teme declarar o voto? Este é o mais agressivo, é o
que intimida o outro. O mais agressivo geralmente está armado de convicção,
achando-se esclarecido, amparado por algum autor renomado que propõe alguma
reengenharia social e antropológica. Tal engenharia, porém, não tem o arrimo de
uma epistemologia apta a fazer previsão de resultados, como fazem astrônomos.
Representam muito mais ideias românticas de quem pisa nos astros distraído,
fracassadas em todas as experiências históricas.
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