CRIME E LEI
Rui Martinho Rodrigues*
Criminalidade elevada, com o controle de território e capacidade de
impor normas de conduta é insuportável. O despejo de famílias de suas
residências por bandidos é controle territorial. A exigência de usar os faróis
a meia luz, com os vidros abaixados e a proibição de certos crimes é imposição
de normas pelas facções. Discute-se agravar penas, criar novos tipos penais,
executar a lei com mais rigor, promover a cultura de paz, políticas sociais
compensatórias, aumentar efetivos das polícias militares; maior presença do
Estado.
Agravar penas e criar tipos penais não tem impacto. A impunidade
não decorre das penas suaves, mas da não aplicação da lei. Há estados em que apenas
oito por cento dos crimes são esclarecidos. Por mais severa que seja a lei não
terá efeito se não for aplicada. As diferenças profundas nos índices de
criminalidade entre estados com as mesmas leis revelam que agravá-las não terá
a efetividade que muitos esperam.
A criminalidade sofre influência da cultura e da formação histórica
e pode ser afetada por mudanças culturais abruptas. Mas os diferentes índices
de criminalidade entre Estados semelhantes sugerem que este fator não é tão
relevante quanto outras variáveis que podem exercer controle sobre ele. Pode-se
dizer o mesmo relativamente à desigualdade social, escolaridade e pobreza.
Aumento de efetivos das polícias militares, melhorar o seu
equipamento e aperfeiçoar o recrutamento, seleção e treinamento é uma
necessidade óbvia. Promover o desfile de viaturas com sirenes ligadas é
providência de alcance duvidoso. A carência das polícias civis, que deveriam
promover a coleta de provas para o Ministério Público embasar a denúncia e o
Judiciário condenar leva a impunidade e ao fracasso dos investimentos nas
polícias militares.
A presença do Estado tem eficácia. Rua esburacada, lixo acumulado
são fatores aparentemente alheios à criminalidade, mas passam a ideia de abandono
e encorajam a criminalidade. O Estado não alcançará os criminosos se não
consegue recolher o lixo e tapar buracos das ruas, seguindo a lógica da teoria
da janela quebrada.
A vitimização de criminosos contraria os fatos. Empresários e
políticos praticam crimes. A pobreza modifica a espécie de crime, não a tendência
criminosa. A maioria dos pobres é honesta. A vitimização do delinquente
estimula o crime, legitimando-o.
O abolicionismo das penas acusa a norma penal de ser vingança. É um
erro. O ato de punir é uma reafirmação de valores, protegendo o bem jurídico
tutelado. Matar é crime para reafirmar o valor vida. A norma penal é uma
reprovação moral aos fatos que lesionam bem jurídicos valorados positivamente.
Direito é fato, valor e norma (Miguel Reale, 1910 – 2006). A sanção
penal deve ser a ultima ratio, pois, se tudo é crime, judicializam-se as relações sociais; restringe-se o espaço da
licitude (liberdade negocial); exacerba-se o controle social.
O endurecimento da lei terá maior efeito no campo da execução
penal, por incidir no delinquente identificado e julgado, não sofrendo a falta
de esclarecimento da autoria dos delitos.
A legislação de Dracon foi tolerada
em momento conturbado, mas durou pouco. Temos rigorosos instrumentos constitucionais
de aplicação transitória e a situação é calamitosa. Resta o problema da gestão
da segurança pública, sem a qual nenhuma medida terá eficácia.
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