ENSAIOS DE GUERRA
Rui Martinho Rodrigues*
Os acordos entre as grandes potências evitam guerras generalizadas.
O Tratado de Vestfállia, de 1648, selou um entendimento entre Espanha, Países
Baixos, França, Sacro Império Romano-Germânico e príncipes alemães, além de
Suécia, encerrou a Guerra dos Trinta Anos. Evitou conflito generalizado até a
Revolução Francesa, século e meio depois. Teve início então o ciclo de guerras
da Santa Aliança contra a França. A paz foi estabelecida por cem anos com o
entendimento entre as potências reunidas em Viena, em 1815.
As guerras dos Bálcãs, envolvendo Sérvia, Montenegro, Bulgária, Romênia, Grécia e Turquia anunciavam a falência do entendimento do Congresso
de Viena. A decadência dos Impérios Áustro-Húgaro e Otomano, e da
unificação da Itália, bem como a Alemanha, modificaram o mundo. Os acordos decaíram. Tivemos a I Guerra Mundial. O
Tratado de Versalhes, 1919, proporcionou apenas vinte anos de paz. Veio a II Guerra Mundial,
no fim da qual a União Soviética, os EUA e Reino Unido estabeleceram um entendimento em Ialta,
1945, definindo suas áreas de influência na Europa, evitando nova guerra
generalizada naquele continente até hoje. A situação atual, neste aspecto, é
semelhante aos momentos em que os tratados entre as potências deixaram de
existir.
A ascensão de uma nova potência pode contribuir para a guerra.
Espanha e Inglaterra guerrearam quando os britânicos começaram a se tornar uma
potência capaz de rivalizar com o Reino Ibérico. França e Alemanha lutaram em
1870, 1914 e 1939, quando a unificação dos principados alemães e o desenvolvimento
industrial alemão tornaram Berlim uma sede poderosa. A Inglaterra, velha rival
da França, aliou-se à tradicional inimiga quando a Alemanha iniciou a corrida
naval, rivalizando com a esquadra britânica. Hoje a ascensão da China modifica
a balança de poder.
A esperança de vitória é um perigo. Em 1914 o exército alemão
esperava derrotar a França em vinte e poucos dias, triunfando sobre a Rússia em
45 dias. O Japão, em 1937, esperava derrotar a China em cinco meses. A
revolução tecnológica está ressuscitando a ideia de vitória na III Guerra Mundial. A guerra
fria não se tornou quente porque havia a certeza da destruição mútua. Um
general chinês afirmou que bastaria destruir dois porta-aviões da VII Frota
para o povo americano, que não suporta baixas, pedir paz. É a mesma ideia que
levou o Japão a atacar os EUA em 1941. A guerra civil espanhola serviu de teste
para armas e táticas antes da Segunda Grande Guerra.
As guerras na Síria, Líbia e Iemem também são amostras de uma
guerra mundial. Guerras acontecem quando as democracias estão desarmadas. A
Europa desarmou-se. Acabou o serviço militar obrigatório, ficou sem reservistas
treinados, cortou orçamentos militares, suas forças ficaram sem capacidade
operacional. Ao intervir na Líbia a França precisou pedir bombas e drones aos
EUA. Toda a frota de submarinos alemães está inoperante. As democracias estão
despreparadas.
A Venezuela poderá tornar-se uma Síria. EUA e Rússia tomaram
partido por lados opostos. Guardemos distância do possível conflito, inclusive
porque não temos meios para entrar no jogo pesado das grandes potências.
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