quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

ARTIGO - O Inesperado e a Surpresa (RMR)


O INESPERADO E
A SURPRESA
Rui Martinho Rodrigues*



A imprevisibilidade dos acontecimentos é parte da condição de sujeitos, autores da ação expressa pelo verbo. Existissem leis regulamentando nossos atos não seríamos sujeitos. Tendências representam realidades da condição humana, mas sem o determinismo das explicações nomológicas. O advento da imprensa potencializou a influência dos intelectuais. Ao surgimento das enciclopédias e jornais seguiram-se, não muito depois, a Revolução Francesa e um período ao qual Eric John Ernest Hobsbawm (1917 – 2012) chamou "a era das revoluções", de 1789 a 1848. Foi uma tendência, no período aludido, em face de circunstâncias. Não houve, porém, determinismo histórico. Nas mesmas condições não houve revolução em muitos lugares.

O rádio, juntamente com a grande crise de 1929, foi contemporâneo de uma safra de líderes autoritários e totalitários. A era digital, com um dilúvio de informações, desnudou a falibilidade humana de líderes, pensadores e formadores de opinião. Partidos, entidades da sociedade civil e até instituições jurídico-políticas sofreram grande desgaste.

Paul Bede Johnson (1928 – ?), na obra Os intelectuais, apresenta dezenas de grandes pensadores, revelando graves falhas de caráter de todos eles. O público não era informado disso antes da era digital. Intelectuais, especialistas, doutores e formadores de opinião caíram do pedestal. Ficou evidente que não são sábios, mas sabidos. O argumento de autoridade, que apoiava as doutrinas de tais personagens, já não intimida alunos e o público em geral. Ouvi de alguém: “não tenho que acatar o que esses degenerados dizem”.

Mundo afora, eleições consagraram candidatos sem apoio de grandes partidos, sem a aura de intelectual ou de especialista em problemas econômicos ou sociais, sem talento de orador e, em ao menos em um caso, sem dinheiro, além de serem contra todos os formadores de opinião, sendo também inábil. Foi surpresa. 

Alfredo José da Silva (1929 – 2010), nome artístico Johnny Alf, cantou a surpresa dizendo: “Fica, ó brisa, fica pois talvez quem sabe,/ o inesperado faça uma surpresa,/ e traga alguém que queira te escutar” (Eu e a brisa). A opinião pública já não é a opinião publicada, como dizia W. Churchill (1874 – 1965). O povo ouviu o conselho do compositor, esperou o inesperado e veio a surpresa: alguém disposto a escutar e a falar a sua linguagem, com os seus sentimentos, valores, sem os sofismas dos grandes pensadores.

Os delírios românticos influenciaram a política e a sociedade, conforme Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra Ideias Políticas na Era Romântica. O romantismo não é apenas o doce amor de Romeu por Julieta. É dado ao titanismo, um voluntarismo exacerbado, que desconsidera os fatos e perde contato com a realidade. Defende o Estado provedor sem se preocupar com o quanto isso custa, nem de onde sairá o dinheiro.

A Europa, com elevada produtividade econômica, tendo a maioria da população próspera, criou o "Estado do Bem-Estar", oferecendo assistência aos poucos necessitados. Já não consegue arcar com os custos dessa volta ao paraíso. Começa a recuar, forçada pela crise fiscal. No Brasil a parcela próspera da população é minoritária. O Estado provedor teria de ser financiado por poucos, para prestar assistência à maioria necessitada. Reconhecido este fato, pessoas inteligentes e cultas respondem simplesmente que “é isso mesmo, mas é preciso seguir com o Estado do Bem-Estar”. O voluntarismo romântico aí expresso levou ao desastre, e a resposta foi o inesperado surpreendente.

Os simples são mais permeáveis à razão, porque o conhecimento nos permite entender melhor algumas coisas, mas, conforme Gaston Bachelard (1884 – 1962), também é obstáculo epistemológico. Alimenta convicções e imuniza contra a realidade. Isso nos faz lembrar do excerto: “(...) Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos”, Mt, 11; 25.


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