PARA QUE SERVE A PRISÃO
Edmar Santos*
Não, apesar de não
ser sua missão principal e de presenciarmos em nosso tempo a quase total
inutilidade da prisão, ela surgiu com foco no estudo e no conhecimento do
infrator, e a perspectiva de sua recuperação.
No molde atrelado ao
sistema de justiça como se configurou a partir do Século XVIII e, após diversas
reformas do sistema criminal ocorridas até início do Século XIX, principalmente
na Europa e na América, promoveu-se um sem-número de tentativas de fazer do
espaço da prisão um “controle sobre o corpo do apenado” e um meio de educar sua
personalidade para uma docilidade subserviente, com suas mais variadas formas
de disciplina e de arquitetura. Conhecer a prisão é entender o próprio
mecanismo do sistema punitivo da sociedade e sua engrenagem mantenedora da luta
de classes.
A prisão é uma peça
indispensável para o sistema punitivo, “uma maquinaria” de modelar novas
personalidades, uma vez que seu poder de controle “onidisciplinar”, como
ferramenta de punição alcança não só o corpo, mas a mente de quem nela malgrado
é lançado; e também, o imaginário de quem nela nunca pôs os pés. O sofrimento
de quem a conhece e o temor de quem a desconhece, por muito tempo e, de certa
forma, ainda hoje é assim, funciona como um trunfo para o poder de controle da
sociedade e de seu imaginário.
Não obstante seu
caráter de peça fundamental do sistema punitivo e controle social, a prisão foi,
ao longo dos séculos, nos países onde ela se estabeleceu como a última
fronteira da punição – em que vencida essa etapa, o destino do infrator é o
regresso ao convívio social – tendo sua representatividade desgastando-se por
alguns fatores que geraram incertezas, devido a constatações paradoxais: a
linha de produção da máquina judiciária para transformar o criminoso em cidadão
produtivo e dócil, pena/prisão, tem nesta última a sua precária utilidade, por
duas questões:
Primeiro, se no
decurso de sua existência possuiu o papel de “aparelho de transformar
indivíduos”, no sentido positivo da expressão, tal característica se confirma
como invertida, tendo em vista que ainda se presta a transformar, só que em um
ser muito pior do que era antes ao entrar nela. Um fracasso na ação carceral de
recuperar pessoas ao retorno à vida cidadã.
Segundo, tomando
como função, ou mesmo contextualizando em seu espaço interior a mera reprodução
das desigualdades sociais e das mazelas surgidas pela carência dos direitos
sociais mais básicos, a fez tornar-se tão somente “reprodutora” do espaço de
exclusão social de onde o infrator se originou.
O agravante é que,
reproduzindo o que o sociólogo Pierre Bordieu (1930 – 2002) chamou de ethos, em meio à privação da liberdade e
à coerção disciplinar como sua base de controle do indivíduo, a prisão perdeu
seu foco implícito de estudar e aprender através das mais variadas áreas do
conhecimento que passaram a fazer parte do corpo penitenciarista, de aprender
sobre o comportamento do preso e as possibilidades de educá-lo para uma
reintegração social.
No Brasil, a despeito
de outros países, durante o Século XX, o que se constata é uma vertente de
perpetuidade da degeneração, onde a prisão tomou características de “masmorras
modernas”, no entanto, conservando daquela como aponta o sociólogo Michel
Foucault (1926 – 1984), apenas a função de trancar, desprezando as duas demais,
quais sejam: esconder e privar de luz.
Revestindo-se do
único papel que o teatro da modernidade lhe trouxera, qual seja: o de “depósito
de gente”, pode-se afirmar que a prisão nos dois séculos próximos passados foi
tomando características de um grande mal social. Como postimeiro punitivo,
tornou-se o lamentável veículo de alimentação da violência social, nutrindo-se
da delinquência e nutrindo o ciclo ininterrupto de perturbação da paz social,
em benefício da manutenção do poder dos que se logram do caos da violência, em
detrimento da ordem e do equilíbrio.
Como já apontava
Foucault, a sociedade não existe sem a delinquência; sem delinquência não há
polícia. Assevera: “Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar
os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou
para afundá-los ainda mais na criminalidade”. Complementa: “conhecem-se todos
os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E,
entretanto, não vemos o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução de que
não se pode abrir mão”.
Afirmações como
essas impõem, nos dias atuais, pela realidade de processos de aprisionamento
massivo, abarrotamento dos espaços carcerários e a degradação da pessoa humana
neles inseridas, o oportuno questionamento: Deve-se nesse novo século ainda
aceitar esse fato, ou está mais que em tempo de se buscar alternativas?
A prisão de nada
serve, salvo ao papel atual que se lhe presta de amontoadora de corpos humanos
em ambiente de bestificação do humano, além de sua característica de animal sapiens. O premiado e ainda produtivo
psicólogo Phil Zimbardo, em seu experimento sobre o efeito do aprisionamento,
concluiu que “Se colocarmos pessoas em um ambiente infernal, a situação
infernal prevalecerá sobre essas pessoas.
Não se encontra,
pois, justificativas para o que se perpetua e ainda se constata no ambiente da
prisão ao passar dos séculos. Por mais que seja legítima e de Direito a busca
da vítima e da sociedade pela punição legal do infrator, nada e nenhum
argumento pode justificar o absurdo do “estado de coisas” que se presencia na
prisão, em profunda agressão aos direitos constitucionais referente à pessoa
humana, e sob os olhos das autoridades e da sociedade.
COMENTÁRIO
A reflexão proposta pelo nosso Edmarus Santorum sobre o
encarceramento de infratores, como solução para a criminalidade, é pertinente por
demais – embora o tema seja uma velha aporia, cuja solução não se vislumbra,
nem de longe.
O ser humano é essencialmente gregário, de modo que precisa viver
em grupo, cada indivíduo cumprindo a sua missão social, visando o seu bem-estar
direto e, indiretamente, promovendo e preservando o bem comum.
Então, todo cidadão deveria ter a lei geral como baliza, e se
conduzir de conformidade com ela, restando ao aparato judiciário solucionar os conflitos
civis, dirimindo as indefectíveis dúvidas sobre a suscetibilidade moral e sobre
os interesses patrimoniais de cada qual.
Se assim fosse, tudo se resolveria em termos de ajustamento de
condutas e em indenizações por perdas e danos. Pronto. Para que prisão? Prisão,
em última análise, é uma forma de tortura, em que o Estado se substitui às
pessoas no seu natural sentimento de vindita.
Acontece que, de forma inelutável, nascem plantas daninhas na
lavra das coletividades mais sadias, aparecem frutas podres em todas as cestas sociais,
surgem delinquentes no seio das famílias, em todas as latitudes do Planeta.
Destarte, é preciso segregar os transgressores, para a proteção da
cidadania e o controle da paz social. A ameaça de prisão certamente coíbe parte
dos crimes, mas não inibe todos eles. Ademais, com a prisão, o efeito punitivo
se cumpre, mas a experiência histórica já desmontou o mito de que a privação da
liberdade reabilite o sociopata.
Enfim, é imperioso prender – para proteger os cidadãos de bem, para
vingar a sociedade, para dissuadir parte dos crimes – não tendo o Poder Público
uma melhor opção para solucionar a complexa problemática. A única alternativa
ao encarceramento seria a pena capital, que a moral religiosa proíbe e ética humanitária
não recomenda. Então, fazer o que?
Reginaldo Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário