CUSPINDO BALA
Altino Farias*
Meados dos anos 80. Naquela manhã de domingo
corria uma brisa fresca e o Sol brilhava num céu límpido, enquanto músicas
populares soavam na sala de um novíssimo Philips “três em um”. De repente,
estampidos de tiros vindos da cozinha!
Vizinhos assustados indagavam-se: assalto?
Tragédia familiar? Acidente? Na dúvida, chamaram a polícia que, como sempre,
tardou a chegar.
Para entender o que ocorreu, temos que voltar
um pouco no tempo. Embora gostasse de uma boa briga quando adolescente, não era
dado a armas. Casado e com filhos pequenos, acalmara-se. Guardava a sete chaves
o três oitão que herdara do pai, falecido há anos e anos, juntamente com alguma
munição. De bobeira no domingo, resolveu esquentar as balas para que elas não
perdessem sua eficácia, seguindo a dica e a teoria de um amigo.
Som ligado, tira-gosto pronto, uma cachacinha
para acalmar a garganta, foi até o “esconderijo”, pegou o revólver e as balas.
Arma limpa e lubrificada, chegou a vez das balas. Foi até a cozinha e arrumou
as balas, todas de pé, fundo de espoleta na chapa da frigideira. Fogo alto
acesso, pôs-se ao pé do fogão como quem frita um inocente ovo. Pouco tempo depois
as balas detoram numa sequência frenética de tiros, digna de um filme de bangue-bangue.
Esposa em pânico, filhos chorando, ele
agachado junto ao fogão esperando o fim do inusitado tiroteio. Quando a calma
enfim voltou a reinar, podia-se ouvir Gonzagão no “três em um” e vizinhos em
pequena balbúrdia, sem entenderem o que acontecera. A polícia? Ah, passou em
frente uma hora depois, nada viu e seguiu adiante incontinente. E ele nunca
mais tirou o três oitão do esconderijo novamente...
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