quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ARTIGO - Quo Vadis?


QUO VADIS?
Rui Martinho Rodrigues*


A nau dos insensatos (1494), de Sebastian Brandt (1494-1521), retrata a desorientação da sociedade. Barbara Tuchman (1912-1989) escreveu A marcha da insensatez (1985), sobre a desorientação dos líderes. Hoje temos ambas as situações: sociedade e líderes insensatos.


As profundas e rápidas transformações na economia e cultura, impactando nas instituições, se relacionam com a insensatez aludida. Família, escola, igrejas, agremiações políticas, instituições do Estado estão sob o impacto do multiculturalismo intensificado pela globalização e do relativismo no campo dos saberes e valores. Restaram as disputas em torno das perdas e ganhos, que descambam para a “correlação de forças”, eufemismo para o uso da força ao invés do Direito.

A desorientação reage com a convicção. Juntem-se radicalismo e o paradoxo do relativismo, e temos uma perigosa mistura irracional. As convicções reagem ao relativismo laxista sob a forma de radicalismo. O triunfo da ilusão iluminista que pretendia submeter tudo à razão, expurgando o sagrado da cultura, se defronta com a revanche do sagrado ou sociedade pós-secular. A intolerância é praticada como tolerância. A bandeira das liberdades é usada contra a liberdade de expressão e o livre exercício da crítica.

A luta por um mundo melhor é pretexto para a incitação do conflito, reivindicação de direitos sem obrigações, execração de “culpados” e agressividade. É fácil amar refugiados e vítimas de guerras distantes, não os membros da própria família ou o necessitado junto de nós.

René Girard produziu uma visão do homem como um animal mimético. A imitação facilmente resvala para a inveja, raiz de conflitos e insatisfações. A sedução da insensatez, fórmula do ópio dos intelectuais, é apresentar a inveja e outros vícios como virtude. Repúdio à desigualdade em lugar da inveja. Intolerância como cobrança de tolerância. Gastos irresponsáveis para fazer clientelismo como solidariedade com os pobres. Uma pergunta se impõe à nau dos insensatos: quo vadis?

Jornal O Povo - 24.10.2017


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