A EXACERBAÇÃO DO ÓDIO
Rui Martinho Rodrigues*
Há uma exacerbação do ódio. Redes
sociais, discursos políticos, convivência em sociedade, inclusive nas famílias,
apresentam um animus exaltado. O
fenômeno tornou-se mais visível há uns poucos anos. Mas não é tão recente. A
violência física, de grande magnitude em quase toda a América Latina e no
Brasil em particular, ocorre paralelamente ao crescimento da violência
simbólica nos dois lados do Atlântico Norte.
O crime vulgar começa a ser
compreendido pelo ângulo da teoria da janela quebrada, que estabelece
correlação entre abandono ou descaso e delinquência. Some-se a isso a rapidez e
a profundidade das transformações culturais, produzindo choque e desorientação
típicos da aculturação. O abandono e o descaso remetem ao problema da
impunidade e ausência do Estado em todos os sentidos.
Muito se fala na contribuição das
redes sociais para a exaltação dos ânimos. Manifestações sem contato pessoal,
aparentemente anônimas, facilitam a manifestação de expressões grosseiras. A
tribuna universal, dada a quem não tinha nenhum canal de expressão, liberou as
vozes menos afeitas ao debate racional e à cordialidade. O despreparo de quem
não sabe discutir ideias nem tem argumentos tende para o ataque pessoal.
Mas o problema é mais complexo, sobretudo
no campo da política. Existe a incomunicabilidade dos paradigmas, segundo
Thomas Kuhn; ou obstáculo epistemológico, nos termos de Gaston Bachelard. O
primeiro entende que os pressupostos subjacentes ao que é dito, por envolventes
e numerosos, não podem ser explicados. Entre as bases de todo raciocínio
existem escolhas axiológicas nas premissas subentendidas. Para Kuhn, tal
valoração seria incomunicável.
Bachelard entende que o conhecimento,
embora nos permita ver mais, restringe o campo de visão, como um microscópio. Por
isso a comunidade científica é incapaz de compreender as revoluções da ciência,
ressalta Kuhn.
Não compreender as razões do diferente
está a um passo de atribuir má-fé, interesses particularistas ou projetar a
própria ignorância no outro. A ignorância acomete inclusive os doutores que não
são doutos, em tempos de especialistas que sabem tudo de nada.
A substituição do exame dos
fundamentos das teses debatidas pelo ataque a pessoas ou grupos sociais é uma
tática solerte e insidiosa, praticada conscientemente por uns; ou por mera imitação
em outros casos. A tática de semear o ódio está elevando a temperatura das
relações sociais no mundo inteiro. A era dos ressentidos, da exploração das
mágoas dos que sofrem injustiças potencializa os conflitos.
Explicações simplistas, que apresentam
as desgraças do mundo pelo prisma das teorias conspiratórias, têm grande parte
da responsabilidade pelo atual clima de beligerância. Formadores de opinião
adotam esta atitude. Em vinte minutos de um discurso podem-se contar vinte e
sete alusões à “classe média alta, branca e cristã” como responsável pelos
males do mundo. Cegueira dos paradigmas, ou tática insidiosa de soldado
disciplinado cumprindo ordens, ou de ativista fanatizado,
o efeito da exploração das emoções é lastimável.
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