terça-feira, 29 de novembro de 2016

ARTIGO RESPOSTA - Cegueira Ideológica (RMR)


CEGUEIRA IDEOLÓGICA, 
OU DA DESINFORMAÇÃO, 
OU DA CONVENIÊNCIA POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*


O artigo de Reginaldo Vasconcelos sobre o comandante Fidel Castro reflete o espírito multifacetado do autor. Poeta inspirado, causídico combativo, homem de negócios e DNA de jornalista. A morte do líder revolucionário não poderia passar sem uma nota do periodista.

O diálogo profícuo entre percepções distintas é um fenômeno raro. O pronunciamento do autor, e a nossa amizade, oferecem ocasião para tanto. O seu talento de jornalista e literato narra um encontro de ideias entre Fidel e o seu pai: o combate à corrupção. 

Mas a “moral burguesa”, preocupada com a ética, passa bem longe da visão marxista. Esta dirige as suas preocupações para o “modo de produção”, reconhecido como a “infraestrutura” de todas as manifestações culturais, políticas, jurídicas ou morais. Adota a análise estrutural. Existem, todavia, marxistas com preocupações morais, sem atentar para o fato de que, para a doutrina em comento, moral é mero “reflexo” da infraestrutura constituída pela organização das forças produtivas (modo de produção). 

Os que assim pensam são os convertidos, que não entenderam o marxismo. Não é o caso de Fidel Castro. O paredão não pretendia fazer “faxina moral”. Revolucionários leninistas consideram tal coisa uma ingenuidade. O hibridismo do marxismo com o estruturalismo e o pós-estruturalismo ficou ainda mais distante das preocupações morais. A moral deles é “situacional” ou finalista (teleológica). O relativismo cognitivo e axiológico é a tônica, principalmente nas novas formas hibridas referidas. A finalidade do paredão era eliminar e intimidar resistências.

O propalado embargo aconteceu. Foi um bloqueio naval seletivo durante a crise dos foguetes, em outubro de 1962; e um embargo por parte da OEA, durante o período em que os EUA exerceram domínio sobre esta organização, fechando as portas apenas dos países da América Latina e dos EUA. 

Mas no auge da influência dos EUA sobre a OEA, o México nunca seguiu o Bloqueio, nem o resto do mundo. Canadá, países europeus – inclusive o Reino Unido – nunca aderiram ao embargo, juntamente com o bloco soviético. O açúcar era o principal produto de exportação de Cuba. O embargo teria como efeito principal boicotar este produto. Mas a URSS passou a comprar todo o açúcar do Comandante e a ajuda soviética, por décadas, foi de grande amplitude. 

Qual a importância do embargo, nestas circunstâncias? Os países situados abaixo do Rio Grande foram se aproximando de Cuba, esvaziando o embargo, desde os anos oitenta. Quando a URSS faliu, a revolução cubana se revelou incapaz de alimentar o seu povo. Aí o comandante restabeleceu o turismo sexual, acrescido de prostituição homossexual, para o que até libertou os gays, que até então eram internados em campos de concentração.

Depois, a Venezuela “bolivariana”, durante a alta do petróleo, passou a sustentar a ilha, até se autodestruir. Aí o Brasil passou a ajudar comprando serviços médicos e com pesados investimentos, como o Porto de Mariel, destinado a escoar produtos que concorrem com as nossas exportações, como açúcar, tabaco e níquel. 

O naufrágio da economia brasileira levou o comandante a se aproximar dos americanos. O que restava do “bloqueio” era apenas a suspensão das relações comerciais com os EUA. O comércio com o imperialismo era o que faltava para o êxito da revolução: libertar-se de tal exploração prejudicou! Eis a queixa: os imperialistas não queriam explorar a ilha, recusando-se a comercializar com ela.

Falar no legado do líder revolucionário é citar uma “pobreza digna”, a superação da miséria. A fuga em massa do país, décadas depois da revolução, é atribuída apenas à falta de liberdade. Mas o povo simples não se importa com liberdades políticas. O Ditador era querido pelo povo. Meio século de censura, com todas as dificuldades atribuídas ao “embargo” e a imagem do pequeno Davi contra o Gigante Golias não permitiriam que houvesse insatisfação política entre o povo.

A fuga em massa do país, inclusive em câmaras de ar precárias, resulta é da miséria material. O legado da revolução é uma Cuba que, como há quatrocentos anos, produz açúcar, tabaco e rum. O turismo sexual voltou. 

Saúde e educação são os grandes argumentos. Aceitando-se os dados do governo revolucionário, indaga-se: ao preço de tanta miséria, censura e prisões políticas, mortes e exílio seria o legado apreciável? Pode haver saúde com tanta miséria? Educação como catequese ideológica é do interesse do regime, mas é uma boa educação? Não há caminho melhor? Comparemos com o Chile.

Fidel foi grande naquilo que decidiu ser. Mostrou coragem e determinação. Tornou-se o ditador mais longevo do seu tempo e conquistou os corações e mentes de milhões em todo o mundo, com a ajuda do ópio dos intelectuais. O juízo de valor a respeito do significado destas vitórias, porém, não é nada favorável, quando visto sem as viseiras da cegueira ideológica, da desinformação ou da conveniência política.


  

COMENTÁRIO:

Quando Fidel se insurgiu contra Fulgêncio Batista, pelo menos no Brasil as pessoas não relacionavam esse fato com o marxismo. Seria a justa revolta de um povo contra um governo notoriamente corrompido. E a corrupção já era um dos problemas brasileiros.

No primeiro momento, sequer se afigurava que a revolução cubana se contrapusesse ao governo norte-americano, o que somente ocorreu no momento seguinte, em face do confisco de bens e empresas ianques – e as informações naquele tempo fluíam muito lentamente. Mas Fidel negava expressamente que instalaria uma ditadura, e tentou aproximação com os americanos antes de adotar a doutrina marxista e de se alinhar definitivamente com a Rússia, após sofrer o embargo econômico. 

Meu pai entendia na época que o “paredon” fazia uma “faxina moral” – e, por toda a sua vida, ante os escândalos políticos brasileiros, nós o ouvimos lamentar a falta de um bom paredão moralizador – solução que lhe parecia viável, até porque ele era pragmático e agnóstico. Mas jamais foi marxista, e, como descendente de inglês e amante das liberdades civis, nutria admiração pela nação estadunidense.  

É claro, hoje sabemos que os fuzilamentos em Cuba não se restringiram aos corruptos, mas principalmente aos inimigos da revolução e aos críticos de Fidel – seguindo a linha intolerante e desumana dos regimes comunistas.

A análise da História tem essa dificuldade de se ter que perceber os fatos pretéritos, e os personagens de então, de forma coerente com a conjuntura da época em que eles ocorreram, pois os olhos da atualidade têm dificuldade de perceber as realidades superadas.

O médico humanitário Joseph-Ignace Guillotin, por exemplo, que era contra a pena de morte, não podendo eliminá-la, sugeriu ao governo francês o uso de uma máquina eficiente que evitasse a agonia da forca e os golpes incerteiros e torturantes dos machados dos carrascos. Mas ficou tão relacionado com um instrumento de morte que a família mudou de nome. 

Monteiro Lobato, por seu turno, para combater o preconceito racial da época criou uma personagem negra que era limpa, proba e sábia, tratada pela patroa com grande fraternidade, tratada como “tia” pelas crianças brancas da casa, o que era então revolucionário. Hoje, contraditoriamente, se tenta proibir o livro porque um outro personagem, de evidente mau-caráter, lhe faz insultos racistas.

A própria solução escravagista é tida hoje como uma tragédia étnica, quando na verdade foi apenas uma fatalidade histórica, de ótimo desdobramento antropológico. A melhor leitura sobre o nosso processo de colonização é a seguinte: três povos foram convocados pela história para formar uma nova nação, cada um partindo de sua condição sociopolítica na época. 

Sim, porque os europeus já adquiriam pessoas escravizadas por tribos inimigas, numa África até hoje tão agreste. Os atuais brasileiros pobres, de índio ou afrodescendência evidente, devem protestar contra as políticas sociais, e não raciais, enquanto os de melhor condição socieconômica nada têm a reclamar de suas origens – sem prejuízo de que qualquer forma de racismo no Brasil deva ser severamente reprimida.   

Reginaldo Vasconcelos 
   
    

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