A FALÁCIA DA
MANIPULAÇÃO
Rui Martinho
Rodrigues*
O
Rio de Janeiro elegeu o Crivella. Contra ele uniram-se os partidos libertários,
a Globo, os formadores de opinião, gato e cachorro. A falácia segundo a qual o
povo é rebanho dócil, manipulado, ficou sem narrativa. Os candidatos a reis
filósofos procuram outro motivo para desqualificar a vontade popular.
Marcelo
Crivella não era o candidato da “burguesia”. Teve contra ele a Globo e os votos
dos “bairros burgueses”. O outro Marcelo, o Freixo, se apresenta como popular,
foi votado pela burguesia e apoiado pela “imprensa burguesa”. A “verdadeira
consciência popular”, sem a Globo para culpar, precisa de outra desculpa. A
Igreja Universal é a substituta da Globo e da “grande imprensa”? É tão
influente?
A
Igreja Católica também apoiou o Crivella. Lideranças populistas emergentes,
como a família Bolsonaro, católica, o apoiou. Evangélicos e protestantes também
o apoiaram? Nem todos. Estes rótulos designam uma vasta diversidade de
tendências no plano teológico e na política.
Não
houve uma clivagem confessional. Caso houvesse, o sobrinho do Edir Macedo não
teria sido eleito. Houve uma resposta ao desastre em que “esclarecidos” meteram
o Brasil, o escárnio para com a probidade administrativa e a lei, o acirramento
dos ressentimentos, agudizando conflitos para fins de exploração política. Foram
desmascarados os santarrões “politicamente corretos”.
A
crise moral e econômica ensejou a eleição de uma figura deplorável, algo
assemelhada ao caso Berlusconi. Parece ter sido a opção pelo mal menor. O mal maior
é o fundamentalismo secular, dos que se acham em contato direto com a
“verdadeira consciência popular”, guindada à divindade. Fundamentalista é quem
se acha em contato direto com a deidade. A religião secular, civil ou política,
havida por Raymond Aron como ópio dos intelectuais, é fundamentalista. No embate
entre os fundamentalismos, a versão secular perdeu, porque ficou sem narrativa
diante dos fatos. O povo acordou.
A
burguesia votou no fundamentalismo que milita contra ela. Acredita que a
serpente está sem veneno. Preocupo-se mais com o hedonismo e a permissividade
que outro farisaísmo condena.
Falta
ao fundamentalismo secular a competência para fazer a crítica lúcida do
capitalismo, que promove a riqueza, democratiza o desfrute de bens e serviços,
torna a vida cômoda e dessacraliza o mundo e a vida, afastando o espírito de
ascese, responsabilidade e esforço. A riqueza enfraquece o caráter, leva a
anomia e à decadência. A prosperidade e o sucesso econômico ameaçam o
capitalismo. Conversões em massa ao Islã, na próspera
Europa; ou Marcelo Crivella no Rio de Janeiro revelam que o povo simples está
percebendo isso, ainda que inconscientemente. Quem é manipulado são os
letrados, tontos que ficam pela leitura dos sofismas dos grandes pensadores.
O
ópio dos intelectuais fez a crítica errada, desmentida pelos fatos:acusou o
capitalismo de empobrecer. Queria explorar politicamente os pobres.Os fatos
desmentiram tal crítica. Agora provocam conflitos entre fenótipos, gerações,
gêneros e o que mais houver, explorando os ressentidos.
O
povo disse não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário