quinta-feira, 29 de setembro de 2016

ENSAIO LITERÁRIO - Folhas Mortas II (VM)


Folhas Mortas
Inspirações em Versos Ecléticos (II)
Vianney Mesquita*


Só há poesia no desejo do impossível ou na dor do irreparável. (Calos Maria LECONTE DE LISLE. Poeta e sábio francês. Saint-Paul – Reunião, 22 de outubro de 1818; Voisins-le-Bretonneux, 17 de junho de 1894).



3 APARELHAMENTO INTELECTUAL DO AUTOR

Embora nem sempre seja fácil apreciar analiticamente arte poética, em Folhas Mortas ressai, de imediato, a manifestação da apreciável prontidão intelectiva do seu compositor, com trânsito livre pela História, Geografia, Historiografia Literária, Artes, Ciências Físicas, História Natural, além de outros saberes, exemplos dos quais são os quartetos do soneto decassilábico português Protogênese, onde se vislumbram parecenças com os versos naturalistas de Augusto dos Anjos, antevendo-se, instantaneamente, a escolaridade de Vasques Filho, no concernente, também, aos recursos métricos.

Protogênese

No turbilhão de épocas passadas,
Que foste tu? Um protoplasma? Um fruto?
Portanto, protogínico ou um bruto
Estrugindo feroz nas madrugadas?

Das eras ancestrais, nas cavalgadas
De monstros colossais fostes produto
De micronúcleos vegetais, tributo
Do despertar de feras alvoradas?

Mas, afinal, que foste tu? Que encerra
De mistério o conjunto do teu ser,
Que em parto horrendo produziu a terra?

Quem sabe no telúrico Nirvana,
Não foste em protandria, sem querer,
O primitivo embrião da raça humana?

Aliás, eu evocava  no livro Reflexões sobre Augusto dos Anjos, do acadêmico Antônio Martins Filho (MESQUITA, 1996, p. 141) – o fato de Augusto, como, ainda, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu e outros atingidos pelo mal do século, haver influenciado bastante a maneira de versificar daqueles seus cultores e cultivadores, feito uma das maiores expressões da literatura poética do País, não apenas pela temática naturalista chocante e bela, bem assim em razão de sua cultura científica manifesta em seus cadenciados e sonoros versos.

Escrevia, ainda (permita-me o leitor esta digressão), noticiando o fato de, ainda muito jovem – com 15 anos – haver feito pasticho dos versos de Augusto dos Anjos, provindo do cosmopolitismo das moneras, com os decassilábicos intitulados Morbidez, meramente imitativos e com defeitos de consonância, sem qualquer valor artístico ou literário.

Morbidez

Tomam-me por inteiro as mialgias,
Na arteriosclerose das matérias,
E o bater pressuroso das artérias
Pareço escutar todos os dias.

Seguir calado, acalentando sonhos,
Já não resisto de tal modo insano.
Extravasa-se o fluido raquidiano,
S’esvaema cada dia meus neurônios.

É a cefaleia ultradolorosa!
Ela agride, me açoita e me anquilosa ...
Como se me fendesse um parietal.

O bisturi meu cérebro não cinde
Porque o doutor da epífise imprescinde...
Pois já findou: partiu-se a pineal.

Fortaleza, outubro de 1961.

Não é razoável asseverar ter ocorrido influência do Poeta da Vila do Espírito Santo sobre o Protogênese, como no meu caso, em exercício feito de adrede, de intenção preparado, para imitar o estilo de Augusto dos Anjos, em tarefa didática na antiga Escola Industrial de Fortaleza, hoje Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará.

Se assim ocorreu – nisso não acredito – não há nenhum desdouro, considerada a grandiosidade do Vate Paraibano. Eça de Queirós influenciou grandes realistas lusos e brasileiros; Leconte de Lisle, o autor da epígrafe deste módulo, chefiou escola, com vários seguidores; e François Malherbe (1555-1628) foi o regente do Parnaso e mestre de grandes clássicos franceses.

Não apenas na literatura, desses valimentos a história é repleta.

Tencionei somente, pois, em breve exemplo, fazer denotar a erudição do Autor de O Grande Mártir, no concernente ao repertório das Ciências Naturais. Assim o mostra, com relação à História Antiga e Medieva, à mitologia (desta se vale a literaturamundial), conforme acontece com Para uma Escrava (de Dario, persa), exempligratia, comentado em passagem ulterior deste artigo. Indiscutíveis são, portanto – e o leitor há de comprovar – a prontidão intelectual e o preparo ecumênico deste escritor admirando.

(Continua no módulo III)



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