domingo, 2 de outubro de 2016

TÚNEL DO TEMPO – PUBLICADO HÁ 20 ANOS


AMOR Q FICA

Os cientistas ocupados com a origem do Universo anunciaram no átomo a menor parte da matéria, e depois conseguiram dividi-lo. Vislumbraram os quasares e pulsares nas lonjuras do Cosmo, e dizem ouvir as reverberações do “Big Bang”, a explosão que iniciou tudo. Lançaram suas caravelas telescópicas nos mares siderais, e deram com os tais “buracos negros”, e enfim atinaram existir a antimatéria.

Agora, fartos de tantas descobertas astronômicas e físico-nucleares, voltam-se para dentro e se perguntam, fazendo coro com Caetano: “Existirmos, a que será que se destina?”. Voltam à ontologia e à metafísica. E o amor? Ah! O amor. Nesta palavrinha concentra-se toda a questão da existência. “Penso, logo existo?”. Não. Quem pensa não casa. Amo, logo existes.

Ficar ou não ficar, eis a questão. “De tudo sempre fica um pouco”, sentenciou o poeta. Mas um pouco é muito pouco. De tudo é sempre o amor que fica, e o amor é muito. O amor é tudo. De tudo que definha, de tudo que desgasta, de tudo que morre, é sempre e somente o amor que fica.

Ao ver passar pela avenida o bloco pré-carnavalesco Amor Q Fica, com esse dístico tão feliz, vejo o sorriso do meu povo, presencio o culto da alegria, a festa cristã em que canta e dança a sua música o povo de um lugar. Assisto enfim à ressurreição do carnaval de Fortaleza, sob a égide do forró. Deus te conserve gigante, Alexandre Maia.

– Mas que papo sério é esse? O assunto aqui é carnaval!

– Pois carnaval é coisa séria, como é coisa séria fazer filho, e também não se faz filho circunspeto e em traje a rigor.

Alexandre Maia, Elenilton Jorge e Alcimor Júnior são o que há de mais sério na produção de alegria pura, sem os aditivos da artificialidade. Viva o samba! Viva o frevo! Mas o nosso brinde é com mastruz com leite, o vigoroso tônico cearense.

Lucas Demétrius (Pseudônimo de Reginaldo Vasconcelos) 
JORNAL SCANDALUS - 1997  

  

NOTA DO EDITOR:

Esta crônica, escrita por Reginaldo Vasconcelos, que a assinou sob o pseudônimo Lucas Demétrius, publicada no Jornal Scanadalus, trata de um dos primeiros blocos pré-carnavalescos do Fortal, no início de 1997, quando o radialista e promotor de eventos Alexandre Maia idealizou a micareta, a princípio de caráter eminentemente popular.

A matéria trata de maneira filosófica o nome dado ao bloco, “Amor Q Fica”, sublimando o sentido burlesco que o termo transportava – trocadilho malicioso comum no carnaval – que neste caso remete ao ditado popular de rima picante, segundo o qual o amor mais duradouro vem da cama.

O cronista, no entanto, elegantemente, focou suas reflexões sobre o mais nobre sentimento, sobre a alegria de amar como o grande ou o único sentido da existência. Cita Caetano Veloso na letra da música “Cajuína”, parafraseia Carlos Drummond de Andrade no poema “Resíduo”, terminando por referir ao pensamento de Descartes.  

Registra a retomada de um bom carnaval popular em Fortaleza que a micareta então representava, louvando a iniciativa e a atuação de Alexandre Maia e de seus principais colabores na época, Elenilton Jorge e Alcimor Rocha Júnior. E finda fazendo uma referência velada à banda de forró “Mastruz com Leite”, do empresário Emanuel Gurgel, que na época se tornara o grande ícone do nosso cenário musical.

Na foto que ilustrava a matéria no Jornal Scandalus, acima reproduzida, Alexandre Maia lança o bloco Amor Q Fica no programa de Will Nogueira, na TV Verdes Mares. 

Alexandre é comendatário da ACLJ, que lhe outorgou a Medalha Jornalista Durval Aires de Menezes, em solenidade do dia 08 de maio de 2014, exatamente pelo mérito de haver concebido o Fortal, hoje transformado em evento eminentemente turístico, sem participação popular, e sem compromisso com a boa música local. 

   

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