Rui Martinho Rodrigues*
A ministra Cármen Lúcia tem os
aplausos da Nação. Sóbria, contrasta com o ativismo de ministros falastrões,
que se comportam como integrantes de bancadas partidárias, prejulgando e rasgando
a constituição acintosamente.
A ministra assumiu a presidência do
Pretório Excelso dirigindo-se em primeiro lugar ao povo, aos cidadãos, a quem
pertence a República. Teve aprovação geral.
É bom que o judiciário seja
sensível às aspirações da sociedade. A existência de leis escritas, porém, tem
o sentido de orientar a ação dos magistrados. A razão de ser do Poder
contramajoritário é moderar a paixões; conter extremismos; passionalidades;
precipitações, opondo-se à manipulação da opinião pública pelos demagogos e
mistificadores.
Entregar a justiça ao povo é atitude
que lembra o chamado “reinado do terror”, quando partido Jacobino controlou a
Revolução Francesa, manipulando os “tribunais populares”, linchando em nome da
“justiça revolucionária”. É preocupante que até a ministra notabilizada pela
sobriedade e o equilíbrio invoque outra fonte, para legitimar as decisões dos
tribunais, que não a Constituição e a legislação infraconstitucional.
Juízes não deveriam cultivar simpatias
ou aplausos. Não deveriam buscar a aprovação volúvel da opinião pública, que um
estadista da estatura de Winston Churchill preferia chamar de “opinião
publicada”. Juízes não devem ser populistas, porque eles podem ter que decidir
contra a maioria, pela garantia das minorias e dos direitos.
Leigos podem confundir a soberania
originária do poder político, que pertence aos cidadãos, coma investidura do múnus
público.
O povo é titular da soberania, mas, no
sistema representativo, não exerce as funções de Estado nem de governo. Estas
são reservadas aos agentes políticos e aos funcionários públicos. Não raro, usuários
dos serviços públicos dirigem-se a funcionários identificando-se como seus
patrões, alegando que pagam impostos. A conduta é perdoável, como dito,
tratando-se de leigos. Juízes, todavia, mormente quando situados no topo do
Poder Judiciário, não podem incorrer em equívoco tão primário.
Quem queira subir nos palanques e
fazer comício não deve envergar a toga. Assim poderá livremente procurar
aplausos, lisonjeando as massas. Espera-se integridade dos magistrados. Quem é
virtuoso não precisa proclamar seus próprios méritos. O aforismo popular adverte:
elogio em boca própria é vitupério. Quem proclama as próprias virtudes
geralmente não as tem. Invocar valores enseja suspeita de afastamento das
normas escritas, sempre em nome da razoabilidade, da proporcionalidade e da
equidade.
A interpretação puramente gramatical
pode levar ao absurdo. Mas invocar valores para rasgar o texto constitucional
destrói a segurança jurídica, como no caso do “fatiamento” da condenação no
processo de impeachment. As acomodações necessárias à razoabilidade das
decisões não precisam invocar a soberania popular, pois para tanto existem os
princípios de interpretação legítima.
COMENTÁRIO:
Mal
saiu um presidente da República do sexo feminino, desmascarada que ela foi pela
reserva ética das instituições coercitivas nacionais e, em consequência, escorraçada pela maioria
esmagadora dos políticos – como consequência de atos populistas eleitoreiros.
Visando se reeleger, ela
usou e abusou de contabilidade criativa para maquiar a realidade das finanças públicas,
arrasadas pelo seu desgoverno.
Então,
entra uma presidente mulher no Supremo Tribunal Federal, cometendo a gag de
atribuir ao povo a soberania direta sobre os fatos da República. Não gosto disso. Fico preocupado com a nobre causa feminista.
Atribuir ao povo o poder no campo jurídico-administrativo é uma
falácia paralógica, porque dessa forma se concede um tratamento subjetivo a uma
realidade objetiva.
Corresponde
a transferir ao universo impessoal dos representados a responsabilidade que é
exclusiva dos seus representantes, muito bem identificados. O poder emana do
povo, mas é exercido de forma indireta, até porque só assim essa entidade
difusa e amorfa pode se manifestar. A fala do povo é o ordenamento jurídico da Nação, e somente pelos atos das autoridades legitimamente constituídas ele age. O resto é revolução.
É assim que é, embora os demagogos e mistificadores de plantão consigam se arrogar a voz de Deus. Sempre que se ouve alguém dizer que fala pelo povo, saiba-se que o que ele faz é levar uma parcela do povo a se conduzir pela voz dele, e em seu exclusivo benefício.
De
fato, como observa Rui Martinho Rodrigues, em vez de falar em “povo” o agente
público contramajoritário precisa referir-se ao “bem comum”, ao império da lei,
porque a massa, composta por indivíduos tão múltiplos, díspares e diversos, ela nunca
está absolutamente coesa, de modo que pretender empoderá-la corresponde a
dividi-la em grumos distintos de diferentes pensamentos e opostos interesses,
que inevitavelmente se entrechocarão.
Reginaldo
Vasconcelos
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