quarta-feira, 7 de setembro de 2016

ARTIGO - A Esquecida Segurança Jurídica (RMR)


A ESQUECIDA
SEGURANÇA JURÍDICA
Rui Martinho Rodrigues*


A segurança jurídica é a base da democracia e de todos os direitos e garantias.

Quando os plebeus romanos revoltaram-se, entrincheirando-se no monte Aventino, o senado romano mandou saber o que pretendiam. Queriam leis escritas. Ganharam a Lei das Doze Tábuas. Nenhuma reivindicação material foi apresentada. Só uma aspiração de caráter formal.

Entre as etimologias atribuídas à palavra lei, encontram-se os significados de escrita, do que é estável e de ordem. O que teria levado ao pedido de leis escritas? Séculos mais tarde os barões da Inglaterra arrancariam do rei outro texto escrito, que se passaria para a História como Carta do Rei João Sem Terra, concedendo uma série de garantias escritas aos súditos. Mais alguns séculos e os franceses fariam uma revolução que produziu uma constituição escrita. As constituições elaboradas em nossos dias são todas escritas e rígidas, assim consideradas por colocarem obstáculos ao legislador reformador.

O sentido de tudo isso é a segurança jurídica. Saber quais são as regras, quais são os direitos e obrigações dos cidadãos. Sem isso não existe segurança jurídica nem direito algum, quando se desconhece o alcance do poder conferido aqueles que encarnam o Estado.

A limitação do poder das autoridades está na base da limitação temporal dos mandatos e alicerça a separação das funções do Poder do Estado. Normas escritas assegurando o devido processo legal, a inviolabilidade do domicílio, o juiz natural, a irretroatividade da lei in pejus e tantas outras garantias – sempre escritas – são a expressão do anseio universal por segurança jurídica.

A democracia é, entre outras coisas, a desconfiança dos governados em face dos governantes. O texto escrito é uma barreira contra decisões arbitrárias e imprevisíveis. É para isso que se criaram normas escritas.

O Ministro Lewandowiski patrocinou, juntamente com parte do Senado, uma violação clara do texto constitucional, rasgando o parágrafo único do artigo 52, que explicitamente determina a inabilitação por oito anos para o exercício de função pública aos condenados por crime de responsabilidade.

O STF vem fazendo, há bastante tempo, a chamada interpretação conforme, transformado em casa legislativa revisora da Constituição, decidindo que onde o texto diz de um jeito entenda-se de outro, em nome da razoabilidade, dos valores positivados na Constituição e do princípio do livre convencimento fundamentado.

Com um pouco de imaginação e sem muitos escrúpulos pode-se fundamentar qualquer coisa. Razoabilidade, justiça e outros princípios invocados são conceitos indeterminados. Estamos na dependência da obscuridade do entendimento, das paixões e dos interesses da autoridade, sem nenhuma garantia escrita, pois o que está escrito de um jeito poderá ser lido de outro.

A violência aqui citada afastou a constituição em nome de normas infraconstitucionais. Diante disso discute-se o impeachmente. A segurança jurídica fica esquecida.


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