A ESQUECIDA
SEGURANÇA JURÍDICA
Rui Martinho Rodrigues*
A segurança jurídica é a base da democracia
e de todos os direitos e garantias.
Quando os plebeus romanos revoltaram-se,
entrincheirando-se no monte Aventino, o senado romano mandou saber o que
pretendiam. Queriam leis escritas. Ganharam a Lei das Doze Tábuas. Nenhuma
reivindicação material foi apresentada. Só uma aspiração de caráter formal.
Entre as etimologias atribuídas à palavra
lei, encontram-se os significados de escrita, do que é estável e de ordem. O
que teria levado ao pedido de leis escritas? Séculos mais tarde os barões da
Inglaterra arrancariam do rei outro texto escrito, que se passaria para a
História como Carta do Rei João Sem Terra, concedendo uma série de garantias
escritas aos súditos. Mais alguns séculos e os franceses fariam uma revolução
que produziu uma constituição escrita. As constituições elaboradas em nossos
dias são todas escritas e rígidas, assim consideradas por colocarem obstáculos
ao legislador reformador.
O sentido de tudo isso é a segurança jurídica.
Saber quais são as regras, quais são os direitos e obrigações dos cidadãos. Sem
isso não existe segurança jurídica nem direito algum, quando se desconhece o
alcance do poder conferido aqueles que encarnam o Estado.
A limitação do poder das autoridades está
na base da limitação temporal dos mandatos e alicerça a separação das funções
do Poder do Estado. Normas escritas assegurando o devido processo legal, a
inviolabilidade do domicílio, o juiz natural, a irretroatividade da lei in pejus e tantas outras garantias –
sempre escritas – são a expressão do anseio universal por segurança jurídica.
A democracia é, entre outras coisas, a
desconfiança dos governados em face dos governantes. O texto escrito é uma
barreira contra decisões arbitrárias e imprevisíveis. É para isso que se
criaram normas escritas.
O Ministro Lewandowiski patrocinou,
juntamente com parte do Senado, uma violação clara do texto constitucional,
rasgando o parágrafo único do artigo 52, que explicitamente determina a
inabilitação por oito anos para o exercício de função pública aos condenados
por crime de responsabilidade.
O STF vem fazendo, há bastante tempo, a
chamada interpretação conforme, transformado em casa legislativa revisora da
Constituição, decidindo que onde o texto diz de um jeito entenda-se de outro,
em nome da razoabilidade, dos valores positivados na Constituição e do
princípio do livre convencimento fundamentado.
Com um pouco de imaginação e sem muitos
escrúpulos pode-se fundamentar qualquer coisa. Razoabilidade, justiça e outros
princípios invocados são conceitos indeterminados. Estamos na dependência da
obscuridade do entendimento, das paixões e dos interesses da autoridade, sem
nenhuma garantia escrita, pois o que está escrito de um jeito poderá ser lido
de outro.
A violência aqui citada afastou a
constituição em nome de normas infraconstitucionais. Diante
disso discute-se o impeachmente. A
segurança jurídica fica esquecida.
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