SALVO-CONDUTO PARA O CRIME
Rui Martinho Rodrigues*
O ex-presidente Lula declarou: “...as pessoas achincalham muito a política, mas
a profissão mais honesta é a do político. Sabe por que? Porque todo ano, por
mais ladrão que ele seja [ladrão pode ser honesto?], ele tem que ir pra rua encarar o povo e pedir voto [se for eleito a
ladroagem está legitimada?]. O concursado
não. Se forma na universidade, faz concurso e está com um emprego garantido pro
resto da vida”. Os colchetes são nossos.
A fala do ex-presidente é uma
argumentação, melhor dizendo, uma mistificação largamente usada na política
brasileira. Apresenta a legitimidade originária, obtida nas urnas, como
suficiente para convalidar todo e qualquer procedimento. Dizia-se, em defesa da
presidente Dilma, que ela fora eleita. O argumento não valia, evidentemente,
para os adversários. Ou será que vale? O ex-deputado Eduardo Cunha
apresentou-se ao povo, pediu e obteve votos suficientes para eleger-se
deputado; depois foi votado pelos pares para a presidência da Câmara dos Deputados,
enquadrando-se na condição de “profissão mais honesta”, segundo o Lula.
O sofisma fica evidente quando
desafiado a julgar o adversário com a mesma medida.
É estranho que um político experiente
fale da política como profissão. É mais estranho ainda que ao cabo de tantos
anos de militância ao lado de intelectuais o clérigo ex-operário não tenha aprendido
que a legitimidade originária não é salvo-conduto para as práticas delituosas.
A legitimidade secundária decorre da
conduta do eleito no exercício do mandato. Práticas delituosas afastam a
legitimidade originária. Esta não subsiste ao procedimento correspondente à
condição descrita nas declarações do ex-presidente com a expressão “por mais ladrão que ele seja”.
Seria uma defesa dos políticos em
geral ou uma antecipação da defesa própria?
Defesa suicida, se apresentada perante
o Judiciário. Sofisma destinado a confundir a militância e iludir o povo? Os
ouvidos lenientes da militância recepcionaram com aprovação o discurso
transcrito. O povo, porém, não é tão tolo a ponto de se deixar embair por
argumento tão grosseiro. Leniência poderá haver por parte daqueles que adotam o
dístico “rouba, mas faz política social”, esquecidos de que as políticas
sociais precisam de sustentabilidade financeira e a destruição do equilíbrio
fiscal inviabiliza as ditas políticas.
O povo, e grande parte dos
intelectuais, têm confundido políticas sociais, que se caracterizam pela
promoção da autonomia dos beneficiários, demonstrada pela superação da
necessidade do benefício, com clientelismo. Este se evidencia proporcionar
dependência do beneficiário em relação ao benefício.
As duas colunas de um discurso
incansavelmente repetido são a legitimidade originária e as políticas sociais.
O primeiro argumento não serve para os adversários. O segundo depende da
promoção de uma inexistente autonomia dos beneficiários e
de uma sustentabilidade financeira, destruída pela administração ruinosa das
finanças da Nação Brasileira.
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