quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CRÔNICA - Desabafo Depois de Uma Noite Mal Dormida (CA)


DESABAFO DEPOIS
DE UMA NOITE
MAL DORMIDA
Cândido Albuquerque*


Vivemos, no Brasil, nos últimos tempos, grande aflição econômica, financeira e política. Falta dinheiro para saúde, educação, segurança e tantos outros serviços fundamentais.  Viu-se também, nos últimos dias, que faltam também ética, civismo e compromisso com a coisa pública. A única coisa que se pode afirmar que não falta é LEI! Temos leis em profusão. Lei para quase todas as hipóteses da vida real. Em matéria de quantidade de lei, que a Noruega não se faça de besta: temos muito mais.

Apesar de tanto, o Brasil é reconhecido, internacionalmente, como o país da impunidade. E por quê?  Alguém tem dúvida?  FALTA VONTADE POLÍTICA DE PUNIR OS CORRUPTOS, e outros criminosos.  Tanto é verdade que o juiz Sérgio Moro, com as leis existentes, colocou na cadeia, e assim manteve, os maiores empresários do Brasil, sendo que muitos já foram condenados.

Nesse meio tempo fomos confrontados com uma  realidade dura: o Brasil era governado por uma quadrilha, e o que nos  restou como opção, após o impeachment, não se apresenta como uma  referência ética.  O Congresso Nacional, então, é uma tragédia! Muitos são os corruptos, ainda em liberdade, considerando a nossa falta de vocação coletiva para puni-los. A punição de corruptos, no Brasil, depende da postura pessoal do juiz ou promotor do caso, e não da lei em vigor.

Nesse contexto, onde a emoção fala muito mais alto que a razão, o brasileiro, mesmo o esclarecido, busca uma solução milagrosa: busca na alteração das leis a mudança que deveria implementar na cultura e nos costumes. E não importa o preço!

Elege mitos e heróis e neles confia cegamente, pelo que, em muitos casos, nem mesmo se dá conta de que o tiro  está apontado para a sua própria cabeça.  

Nessa busca insana, pouco importa a democracia e o Estado Democrático de Direito conquistado a duras penas. Princípios democráticos como o da presunção de inocência, o impedimento de provas ilícitas, são relativizados na ânsia de colocar na cadeia os corruptos, pouco importando, para tanto, que princípios que atestam graus civilizatórios e democráticos sejam feridos. A população tem pressa, muita pressa em colocar na cadeia os corruptos. Isso é o que importa.

Princípios constitucionais que representam segurança jurídica e que expressam respeito aos direitos fundamentais, nesse contexto, são relativizados sob o aplauso inculto da população.

Perde-se a noção de limites, e o remédio é transformado em veneno.

Vivemos esse momento, e os aplausos disparados ontem em apoio às famigeradas  “10 medidas” anticorrupção, apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso Nacional, bem ressaltam esse momento triste.

A primeira pergunta a ser respondida é: precisamos de mais leis? As nossas leis são muito brandas? O Sérgio Moro criou leis ou está prendendo sem base legal? Sim, ele se tornou o ícone do combate à corrupção no Brasil, e, ao que me consta, com base nas leis existentes.

Aliás, combater corrupção é uma tarefa difícil em todos os lugares, regimes e idiomas. Não há, no mundo democrático, onde se preza pela segurança jurídica, processo judicial criminal que não seja trabalhoso, e no Brasil as instituições dispõem, todas elas, de mecanismos eficientes de persecução penal. Mas, repita-se, não existe procedimento penal, de combate ao crime organizado ou à corrupção sistêmica, simplificado. As garantias processuais, necessárias para que inocentes não sejam injustamente presos, dão trabalho e reclamam dedicação dos operadores do Direito.

Talvez as garantias processuais, tão importantes nos países democráticos, sejam incompatíveis com férias anuais de 60 dias, mais o recesso de 15 dias no final do ano! Aliás, férias desnecessárias, tanto que são, frequentemente, vendidas ao Estado pelo preço de um salário e mais um terço.

Mas, e apesar de tanto, quer o Ministério Público criar facilidades para a acusação, e muitos, vi ontem, estão aplaudindo. Deseja-se criar novas formas de prisão preventiva, ou seja, vamos prender antes de ter certeza de que o réu é culpado! Para apressar o processo, nada de colocar juiz e promotor na vala comum dos 30 dias de férias, vamos reduzir o número de recursos, e que se dane o fato de que, aqui no Ceará, por exemplo, existiam desembargadores vendendo decisões. O importante é prender os corruptos.

E quem são os destinatários dessas novas medidas? Pelo que tenho visto, são os empresários, e políticos sem mandato. Por excelência, os empresários. Não tem importância o fato de que, ao institucionalizar a corrupção, deixando de roubar para si, mas roubando para o partido, como forma de ficar mais tempo no poder, se transformou os empresários em reféns de uma máquina estatal corrupta e impiedosa. O importante e prender os corruptos.

E uma reforma política séria, que traga a mudança de paradigmas, não seria mais apropriado? Será que rasgando a Constituição e o bom senso resolveremos o problema da corrupção? Ou porque estamos cansados devemos relativizar as garantias dos cidadãos e atender aos anseios de comodidade da acusação, transformando os empresários, sim eles (e a população), em “suspeitos de culpa”? Isso deu certo em algum lugar do mundo?  Senhores, ao que penso, devemos deixar de lado essa busca insana por soluções milagrosas e arbitrárias. A responsabilidade é nossa, e tentar transferi-la é um erro!

Serei um Dom Quixote e, enquanto tiver forças, manterei a fé no Estado Democrático de Direito e direi ao Judiciário e ao Ministério Público que os processos devem ser céleres, mas respeitando-se as garantias constitucionais. E mais, o arbítrio não contará com o meu silêncio.

Não aceito que o combate à corrupção seja um pretexto para que se implante a ditadura do Judiciário e do Ministério Público.


Desculpem, estou escrevendo isso na tentativa de dormir hoje. É isso!


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