DESABAFO DEPOIS
DE UMA NOITE
MAL DORMIDA
Cândido Albuquerque*
Vivemos, no Brasil, nos
últimos tempos, grande aflição econômica, financeira e política. Falta dinheiro
para saúde, educação, segurança e tantos outros serviços fundamentais.
Viu-se também, nos últimos dias, que faltam também ética, civismo e compromisso
com a coisa pública. A única coisa que se pode afirmar que não falta é
LEI! Temos leis em profusão. Lei para quase todas as hipóteses da vida real. Em
matéria de quantidade de lei, que a Noruega não se faça de besta: temos muito
mais.
Apesar de tanto, o Brasil é reconhecido,
internacionalmente, como o país da impunidade. E por quê? Alguém tem
dúvida? FALTA VONTADE POLÍTICA DE PUNIR OS CORRUPTOS, e outros
criminosos. Tanto é verdade que o juiz Sérgio Moro, com as leis
existentes, colocou na cadeia, e assim manteve, os maiores
empresários do Brasil, sendo que muitos já foram condenados.
Nesse meio tempo fomos
confrontados com uma realidade dura: o Brasil era governado por uma
quadrilha, e o que nos restou como opção, após o impeachment, não se
apresenta como uma referência ética. O Congresso Nacional, então, é
uma tragédia! Muitos são os corruptos, ainda em liberdade, considerando a
nossa falta de vocação coletiva para puni-los. A punição de corruptos,
no Brasil, depende da postura pessoal do juiz ou promotor do caso, e não da lei
em vigor.
Nesse contexto, onde a emoção
fala muito mais alto que a razão, o brasileiro, mesmo o esclarecido, busca
uma solução milagrosa: busca na alteração das leis a mudança que deveria implementar
na cultura e nos costumes. E não importa o preço!
Elege mitos e heróis e neles
confia cegamente, pelo que, em muitos casos, nem mesmo se dá conta de que
o tiro está apontado para a sua própria cabeça.
Nessa busca insana, pouco
importa a democracia e o Estado Democrático de Direito conquistado a duras
penas. Princípios democráticos como o da presunção de inocência, o impedimento
de provas ilícitas, são relativizados na ânsia de colocar na cadeia os corruptos,
pouco importando, para tanto, que princípios que atestam graus civilizatórios
e democráticos sejam feridos. A população tem pressa, muita pressa em colocar
na cadeia os corruptos. Isso é o que importa.
Princípios constitucionais
que representam segurança jurídica e que expressam respeito aos direitos
fundamentais, nesse contexto, são relativizados sob o aplauso inculto da
população.
Perde-se a noção de limites, e
o remédio é transformado em veneno.
Vivemos esse momento, e os aplausos
disparados ontem em apoio às famigeradas “10 medidas” anticorrupção,
apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso Nacional, bem ressaltam esse
momento triste.
A primeira pergunta a ser
respondida é: precisamos de mais leis? As nossas leis são muito brandas? O
Sérgio Moro criou leis ou está prendendo sem base legal? Sim, ele se tornou o
ícone do combate à corrupção no Brasil, e, ao que me consta, com base nas leis
existentes.
Aliás, combater corrupção é
uma tarefa difícil em todos os lugares, regimes e idiomas. Não há, no
mundo democrático, onde se preza pela segurança jurídica, processo judicial
criminal que não seja trabalhoso, e no Brasil as instituições dispõem, todas
elas, de mecanismos eficientes de persecução penal. Mas, repita-se, não existe
procedimento penal, de combate ao crime organizado ou à corrupção
sistêmica, simplificado. As garantias processuais, necessárias para que
inocentes não sejam injustamente presos, dão trabalho e reclamam dedicação dos operadores
do Direito.
Talvez as garantias
processuais, tão importantes nos países democráticos, sejam incompatíveis com
férias anuais de 60 dias, mais o recesso de 15 dias no final do ano! Aliás,
férias desnecessárias, tanto que são, frequentemente, vendidas ao Estado pelo
preço de um salário e mais um terço.
Mas, e apesar de tanto, quer o
Ministério Público criar facilidades para a acusação, e muitos, vi ontem, estão
aplaudindo. Deseja-se criar novas formas de prisão preventiva, ou seja, vamos
prender antes de ter certeza de que o réu é culpado! Para apressar o processo,
nada de colocar juiz e promotor na vala comum dos 30 dias de férias, vamos
reduzir o número de recursos, e que se dane o fato de que, aqui no Ceará, por
exemplo, existiam desembargadores vendendo decisões. O importante é prender os
corruptos.
E quem são os destinatários
dessas novas medidas? Pelo que tenho visto, são os empresários, e políticos
sem mandato. Por excelência, os empresários. Não tem importância o fato de que, ao
institucionalizar a corrupção, deixando de roubar para si, mas roubando para o
partido, como forma de ficar mais tempo no poder, se transformou os empresários em
reféns de uma máquina estatal corrupta e impiedosa. O importante e prender os corruptos.
E uma reforma política séria,
que traga a mudança de paradigmas, não seria mais apropriado? Será que rasgando
a Constituição e o bom senso resolveremos o problema da corrupção? Ou porque
estamos cansados devemos relativizar as garantias dos cidadãos e atender aos
anseios de comodidade da acusação, transformando os empresários, sim eles (e a
população), em “suspeitos de culpa”? Isso deu certo em algum lugar do mundo?
Senhores, ao que penso, devemos deixar de lado essa busca insana por
soluções milagrosas e arbitrárias. A responsabilidade é nossa, e tentar
transferi-la é um erro!
Serei um Dom Quixote e,
enquanto tiver forças, manterei a fé no Estado Democrático de Direito e direi
ao Judiciário e ao Ministério Público que os processos devem ser céleres, mas
respeitando-se as garantias constitucionais. E mais, o arbítrio não contará com
o meu silêncio.
Não aceito que o combate à
corrupção seja um pretexto para que se implante a ditadura do Judiciário e do
Ministério Público.
Desculpem, estou escrevendo
isso na tentativa de dormir hoje. É isso!
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