ESPIROÁS*
Vianney Mesquita**
Percorrer terras e conhecer povos diversos torna os
homens discretos.
(MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA).
A
sobriedade e o comedimento, expressos à epígrafe no asserto do Romancista de
Alcalá de Henares, ocorrem de ser, desde sua procedência, marcas da admirável
personalidadedo intelectual e escritor oeirense (PI) Augusto Rocha, radicado no
Ceará, um dos melhores narradores em texto que já tive a boa sorte de deparar,
sobre ser figura de trato excepcional e caráter a toda prova, com quem qualquer
pessoa se sentirá confortável se com ele entretecer amizade.
Nem
por isso, contudo, ditos predicados deixam ainda mais de remanescer devidamente
assentes no padrão de urbanidade deste viajor inveterado, cujas descrições transpostas
para a literatura já conquistaram o leitor, maiormente aquele afeito a longas
jornadas, praticante ou meramente aficionado de um misto dedesenfado e
folgança, sem esquecer como seu apêndice o esgotamento, até adentrar o portal
do sofrimento, que ele, logo depois, transmuda em deleitosa circunstância, como
pretexto para nova expedição motociclística.
Os
périplos perfeitos por Augusto Rocha e seus íntegros acompanhantes – exemplos paradigmáticos
de Humanidade – são bem distintos dos dilatados passeios em transatlânticos favorecidos
de cabinas luxuosas, em aviões modernos para estrato very importante person e comboios-bala, com câmaras ostentosas e
afagos – recorrentemente, por demais pronunciados – de comissários e serviçais
poliglotas, magnificamente retribuídos, mercê dos altos preços avençados no
contrato da viagem.
Isto
porque, embora suas motocicletas os conduzam com rapidez aonde intentam chegar,
muita vez, é preciso – por exemplo e entre múltiplos estorvos ocorrentes num
trajeto destes – “carregá-las”, nos momentos de cismas mecânicos, mesmo com os
necessários e até exagerados cuidados por eles dispensados a essa maquinaria, no
decurso inteiro de uma viagem cisandina, como a que o Escritor alencarino-piauiense
exprime neste relato de insuperável fidelidade descritiva e primorosa qualidade
estilística, fato que o conduz a um lugar de saliência, no Brasil, como distinto
expositor do calibre literário da narração.
Penso
consagrar respeito ao futuro consulente de um escrito, ao não fornecer nem
sequer manchetes de seu enredo, narrar passagens ou extrair ilações (as quais
podem não corresponder à vontade expressiva do escritor e até induzir ao logro
aquele que o descodifica), porquanto, entendo, o leitor tenciona mesmo é
conhecer in situ, sob o patrocínio
direto do autor, suas compreensões a respeito dos eventos contados, sem a
interferência de um tertiusgenus, o
qual é passível de lhe surripiar a vontade de leitura.
Espiroá – cumpre-me exprimir – é o simples e muito bem
pinçado título (e por aí já se denotam as luzes do produtor do livro), tirado
de quando Augusto Rocha, ao retornar da comprida saga à Terra do Fogo, viu-se
passando pela ponte sobre o primeiro Espiroá,
ribeiro tributário do rio Ceará, aqui
no Município de Caucaia, quase em Fortaleza, que, poeticamente, “ainda
repousava [...] seco e sem vida. Uma vez a cada ano, ele acorda para buscar
água na serra de Maranguape e dar de beber ao rio Ceará. Cumprida sua obrigação,
se aquieta e volta a dormir”. [...].
O
segundo Espiroá é a quarta e monumental
relação de viagem colhida do celeiro deste produtor maior, antecedida de Vou no bombo!, (2010), Sagandina (2012) e Carregadores de Melancias (2013), muito
bem acolhidas pela crítica, pois primorosos textos enunciados em linguagem
elevada, porém plenamente legíveis por qualquer pessoa de recepção regular, uma
vez que foram tecidos com cuidado, verdade, inteligência, estesia e graça. Eis
que, agora, restam sucedidos por esta Opus
Magnum, retratada firmemente e com o ornamento de semelhantes atributos das
obras precedentes, ao que se acrescem os ensinamentos usufruídos como réditos
da sua indústria intelectiva até então exercitada, a cada dia mais reciclada,
reformada e bem mais achegada aos umbrais da perfeição, por onde, decerto,
adentrará triunfante no próximo exercício.
Espiroá é obra grandiosa,
representativa da penetração intelectual e diligência verbal de quem se cuidou
na escola formal e, em adição, se aprestou como autodidata no batente da vida, numa
simbiose conducente à exata prontidão para escrever. Deriva, em segunda
instância, da intrepidez de um grupo decidido a se esbrasear sob o sol, se
enregelar ao sopro da ventania andina, sofrer a rarefação de certos ares
sul-americanos, sob intenso perigo de doenças pulmonares, de expor-se aos
acidentes de trânsito, bem como aos perigos de assaltos quando, exempli gratia, dos pregos das
motocicletas, submetendo-se a toda sorte de riscos que somente a bravura
indomável habilita a encarar.
A
nova gema literoartística de Augusto Rocha merece, por conseguinte, ser lida
por todos os nacionais amantes do motociclo, em particular pelas pessoas, aos
milhares no País, apreciadoras do hábito de percorrer mundo sobre duas rodas,
bem como por qualquer cidadão de língua portuguesa admirante de uma arte
escrita em tão alevantada execução, numa mensagem impecável sob o prisma da
forma, o espectro da nobreza lexical e o aspecto da capacidade de retenção dos
fatos, enfim, da comunicação dissertativa em alta fidelidade, como sói
verificar-se apenas com aqueles apercebidos de tamanho engenho de narrar ao
abrigo dos mais relevantes pressupostos do texto – concisão, clareza,
simplicidade, certeza e correção.
Espiroá constitui artefato imponente da literatura nacional!
*Extraído
de MESQUITA, Vianney – Esboços e
Arquétipos. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2016. Pp.128-132.
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