VARGAS,
O INESQUECÍVEL,
O INESQUECÍVEL,
E A AÇÃO MILITAR DE 1955
Luciara de Aragão*
Segundo Enghels e Schaff,
o conhecimento pode ser sempre revisado, pois é um processo infinito que
acumula verdades parciais nas várias fases do seu desenvolvimento histórico.
Conhecer os fatos precede ao necessário processo de análise. Este período da história
recente brasileira nos leva à compreensão, segundo Michael Oakeshott,
historiador de ampla base filosófica, do uso da noção de continuidade como
critério para compreender a História.
Desses conceitos, as
reflexões sobre o esquecimento de Getúlio Vargas no dia da sua morte, onde
foram modestos os autênticos preitos de saudade. Algumas análises parecem
pertinentes, desde as raízes da tensão de 1955, quando Vargas, por ampla
maioria, assoma ao poder (31-01-51), após reforços de construção de sua
candidatura com a organização do partido trabalhista e o apoio militar, graças
a reconciliação com o General Góis Monteiro, com quem discutiu estratégias de
campanha.
Eleito, enfrentou
ferrenha oposição da UDN, com Eduardo Gomes, o mesmo candidato de 1945. O duplo
processo de industrialização e urbanização tornara o País diferente do que Vargas
deixara como ditador e a maioria da imprensa, setores empresariais e das forças
armadas, eram-lhe adversas. Medidas de proteção ao trabalhador e a instituição
do monopólio do petróleo só aumentaram o rancor dos adversários.
Neste momento
histórico vivido faz-se impossível ignorar a força da ação militar na política
brasileira. Vargas é instalado na Presidência da República (1930) pelos
integrantes da Junta Militar. Quando ditador e quando deposto, (movimento de 29-10-1945),
o foi pelos mesmos militares que o elevaram. Vigorosos debates entre oficiais
superiores do Exército permearam essas ações quanto às diretrizes a tomar. A
concordância suficiente gerou uma frente unida, como a do seu retorno (1949), quando,
ao enviar emissários ao General Góis (que o depusera em 1945), para indagar das
possibilidades da sua candidatura, foi-lhe assegurado que “nas Forças Armadas não perduravam ressaibos ou ideias preconcebidas
contra ele, nem elas se oporiam à sua posse, no caso de eleito, desde que
respeitasse, não só a Constituição, como os direitos impostergáveis dos militares”.
(Skidmore, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo).
Desde Dutra, afirmavam-se
as opções neoliberais, a desenvolvimentista-nacionalista ou
democrática e a nacionalista. A segunda tinha como denominador comum
um forte nacionalismo. Oficiais do Exército viam a industrialização como a fórmula
do Brasil potência. Era um imperativo da segurança nacional a exploração de
recursos naturais, como os minerais, combustíveis e força hidrelétrica em mãos brasileiras.
Esta, fora uma exigência dos “tenentes” e figurava na constituição de 1934,
vivificada desde o final de 1930, por Generais como Edmundo Macedo Soares. O
nacionalismo, visto como radical, conquistava os comunistas ativos, membros do
PCB, e os atraídos por apelos da teoria do desenvolvimento, como alguns intelectuais,
na prática, pouco afeitos à disciplina e à teoria do comunismo marxista. Em princípio
dos anos 50 o nacionalismo reforçou o antiamericanismo e, seguindo a linha
moscovita, atacava o imperialismo no Brasil, enquanto se dava a guerra na Coréia
(1950-1953). Questão delicada, pois o General Estillac Leal, nacionalista, era
a favor da criação da Petrobrás, do monopólio estatal do petróleo e, escolhido
Ministro da Guerra, defendia a neutralidade brasileira. Isto o torna malvisto
pela ala democrática e pelos denunciantes de infiltração comunista nas Forças
Armadas, como os Generais Zenóbio da Costa e Canrobet Pereira.
Como um todo, a sociedade
retratava essas metamorfoses do período entre guerras e nelas refletiam as mudanças
estruturais econômicas e sociais. Não “apenas pelo trânsito brusco e desordenado do
eixo de direção política do campo para a cidade, como pelo hiato aberto na vida
política, no sentido que este termo guarda nas democracias representativas
viciosas ou não” (Bello, J.M. História da República, p.331).
Internamente, os
danos causados às políticas do Governo Vargas, os interesses contrariados,
foram muitos, mas o legado é vasto e conhecido. O Estado autoritário gerou em
paradoxo, o conceito de educação pública, criou o Ministério da Saúde e
Educação e lançou as bases do trabalhismo. A compressão do pensamento político
com um forçado absenteísmo, de um período sem participação política parece
revelar fecundo florescimento da literatura, dos temas de ficção e do folclore
musical.
No plano intelectual,
se as correntes não acompanhavam as suas matrizes pari passu, vingavam as ideias de Bergson, Kant e o neotomismo que
gerara a Ação Católica. A reforma Capanema multiplica as Universidades com os
cursos novos de Letras e Filosofia. A
arquitetura desponta com arranha céus e surgem as primeiras estações de
televisão. O País dá continuidade a sua política diplomática e começa a ter
certa projeção externa. O Chanceler João Neves da Fontoura toma como aliado a
Góis Monteiro, Chefe do Estado Maior, e obtém o Acordo Militar Brasil – Estados
Unidos (1952) golpeando os nacionalistas. A demissão dos Generais Estillac e
Zenóbio são o pano de fundo do manifesto dos Coronéis (1954) que propiciam a
queda de Vargas. O choque das duas correntes de militares, na disputa pelo
Clube Militar, derrota o nacionalista General Estillac e dá a vitória aos Generais
Nélson de Melo e Etchegoyen com a
chapa Cruzada Democrática organizada por Cordeiro de Farias.
Realizações oficiais
expandiram Volta Redonda e Paulo Afonso e as restrições à importação, os ágios
e a inflação estimularam a concentração das indústrias urbanas no Rio e São
Paulo. A visão nacionalista da Petrobrás e o consequente desnível regional e da
população não diminuíram a popularidade de Getúlio. A suspeita de que, apoiado
na massa proletária, daria ouvidos ao Queremismo, com uma República Sindical
nos moldes do justicialismo peronista, enfraquecem o governo. A violência
oposicionista, o Manifesto dos Coronéis lançado num período crítico de aumento
de 100% do salário mínimo, apresentado por Goulart, invoca a exiguidade de
recursos destinados ao Exército e provoca a queda do General Espírito Santo
Cardoso, substituído pelo General Zenóbio.
O episódio da Rua
Toneleros contra Lacerda e com a morte do Major-Aviador Rubem Vaz, revela indícios
de ato da Guarda do Presidente, permitindo que a Aeronáutica, suspeitando da Polícia,
avocasse o inquérito criminal, instaurando um IPM, conhecido como República do
Galeão. (Castro, Celso. Os militares e o Segundo Governo Vargas. SP:FGV CPDOC).
A perda do apoio
militar ao governo foi quase unânime. O Almirantado
aderiu à Aeronáutica e 37 dos 80 Generais de Exército, em postos de comando no
Rio de Janeiro, endossaram o memorial pedindo a renúncia de Vargas. Antes do
tiro no peito, na sua carta-testamento, ele declara “deixo a vida para entrar na História”. E ela o registra como
inesquecível.
👍👍👍
ResponderExcluirPostagem que irretorquivelmente atesta o superior conhecimento do tema. Receba aqui minhas sinceras reverências.
ResponderExcluirParabéns, pelo matéria.
ResponderExcluirPrezada amiga parabéns! Trabalho muito pertinente e com muito conteúdo, didático, objetivo e rico! 👏👏👏🤝🙏
ResponderExcluirObrigada, coronel. Que o seu trabalho continue fecundo e leia sempre as matérias do nosso blog.
ResponderExcluirArtigo primoroso e muito bem ilustrado!
ResponderExcluirNunca imaginei que Vargas continuasse com o mesmo atrativo...
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