NESSES TEMPOS PANDÊMICOS
Arnaldo Santos*
Em um país de desenvolvimento tardio como o Brasil, alguém consegue imaginar como seriam nossas vidas sem a insubstituível e construtiva participação das Universidades Públicas? Faço essa provocação a propósito dessa campanha insidiosa, que nos últimos tempos atenta contra a imagem e a credibilidade das nossas instituições públicas de ensino superior, como se fosse possível apagar todo o conhecimento científico e técnico e a formação da sociedade, gerados nas salas de aulas e em seus laboratórios, desde 1808, quando foi criada a Escola de Cirurgia da Bahia, a primeira instituição do gênero no nosso País.
No Ceará, olhando para o atraso que ainda ostentamos em termos econômicos, e os aviltantes índices de pobreza e desigualdade sociais, alguém ousaria pensar que sociedade seríamos nesses difíceis tempos pandêmicos, sem nossas Universidades Estaduais, e, especialmente, sem a imprescindível e decisiva contribuição da Universidade Federal do Ceará, a nossa UFC? Ao trazermos essa reflexão, queremos, singelamente, prestar um tributo a essa instituição – e ao seu criador e primeiro reitor, o intelectual Antônio Martins Filho.
Somem-se à míope visão dos que tentam por em dúvida à importância de instituições com essa história, os cortes em seus parcos orçamentos, a restrição nos programas de bolsas para mestrado e doutorado, que não atendem, na velocidade e quantidade necessárias, e a redução dos recursos destinados às pesquisas, em áreas importantes para o desenvolvimento científico, deixando à míngua os reitores e milhares de cientistas e pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento, provocando a fuga de muitos dos nossos melhores cérebros para outros países.
Examinando a precarização do nosso sistema de ensino e do aprendizado, agravados pela pandemia da Covid-19, as universidades públicas assumem papel ainda mais relevante na efetivação de soluções, não só no que concerne à formação continuada dos nossos jovens, bem como para superação dos graves problemas sociais, durante e no pós-pandemia, e os novos desafios da ciência na contemporaneidade.
A incorporação e o uso eficiente das novas tecnologias educacionais digitais (não confundir com acessórios de informática em sala de aula), cuja banda de acesso ainda exclui o contingente mais pobre da comunidade estudantil, e da sociedade em geral, é a porta de saída para inovação e produção de novos conteúdos, sua democratização e a disseminação de todos os saberes, mormente enquanto perdurar a pandemia, que impôs restrições em todas as áreas da atividade humana.
A superação de desafios dessa magnitude, em um país com o grau de pobreza e desigualdades como o nosso – substantivamente na área do saber, mesmo com todo o negacionismo – constitui a nobre missão reservada à Universidade Pública, que é onde efetivamente se faz pesquisas avançadas em todas áreas das ciências, menos para aqueles que padecem de dupla ignorância.
A propósito dessa realidade, e com o título A Educação Tem Uuito o que Aprender, publicado neste espaço na última semana, refletimos sobre as deficiências tecnológicas e pedagógicas das nossas escolas e Universidades, onde apontamos os anacronismos do nosso sistema de educação, com seu modelo tradicional de ensino, não só no Brasil, como em escala global, agudizado pelo coronavírus, que impôs o fechamento das escolas em 190 países, deixando 1,6 bilhão de alunos fora da sala de aula, segundo dados da Unesco, e o pior: milhões sem acesso a qualquer conteúdo on-line.
Ancorado em evidências, mostramos que a Covid-19 impôs, além dos transtornos ao País, professores e alunos, com a interrupção do processo de aprendizado, que já era sofrível, escancarou as deficiências estruturais do modelo público e privado de ensino, inclusive nas Universidades. Em paralelo aos problemas, também apontamos que a pandemia antecipou o futuro, oferecendo a oportunidade para inovação e consolidação de um novo modelo de ensino por meio do uso estruturado das novas tecnologias, para potencializar o aprendizado, bastando para isso que as instituições de ensino brasileiras façam o dever de casa.
A afirmação do Reitor, pelo grau de responsabilidade que expressa, nos impôs o dever de buscar conhecer melhor a infraestrutura tecnológica e as inovações contidas no modelo de ensino a distância oferecido pela UFC. Durante a incursão que fizemos, deparamos algumas iniciativas, ainda em sua fase inicial, mas de importância vital, não só para o atual momento de dificuldades trazidas pela Covid-19, mas também para a consolidação de uma nova metodologia de ensino. E, a julgar pelos resultados expressos até aqui, tais propósitos serão ainda mais significativas no médio e no longo prazos.
Nessa perspectiva de preparar a Universidade para o tempo fluente e futuro, a criação do condomínio de inovação e empreendedorismo do Nordeste, a ser inaugurado ainda no mês em curso, ganha relevância, pois dá vez às condições para o desenvolvimento de pesquisa em tecnologia aplicada ao setor industrial, criando a alternativa para que os estudantes combinem aprendizado científico técnico, com uma ação empreendedora nesse amplo mercado da indústria 4.0, podendo, inclusive, trabalhar sob demanda das empresas no desenvolvimento de soluções tecnológicas, mediante a criação de startups em seu parque tecnológico.
Cumpre ressaltar que inovar e modernizar sua metodologia de ensino, à distância e presencial, não só utilizar, mas também criar e desenvolver novas tecnologias, para melhor atender e desempenhar o papel que lhe cabe no processo de ensino, pesquisa e extensão, na era digital antecipada pela pandemia, é o que se espera de uma Universidade com a história que tem a UFC.
Com esse objetivo, uma das ações aprovadas pela Administração Superior foi a criação da Escola Integrada de Desenvolvimento e Inovação, responsável pela estruturação do plano de formação direcionado a treinar e preparar a comunidade acadêmica, para essa nova fase de muitos desafios, onde todos terão que aprender fazendo.
Essa iniciativa possibilitou a implementação do Plano Pedagógico de Emergência (PPE), pois oferece um conjunto de outras ações, não só pedagógicas, como técnicas, assistenciais e tecnológicas, em apoio não somente aos estudantes, bem assim aos servidores, na tentativa de atenuar os efeitos da pandemia, tanto em relação à oferta de cursos com suas várias disciplinas, como a melhoria nos processos de transmissão dos conteúdos, com novas abordagens na busca pela superação dos vários outros desafios na realidade atual. Tal ação, obrigatoriamente, exigiu a criação de um programa de inclusão digital por meio da distribuição de chips com internet para os estudantes carentes, para que todos tenham acesso às aulas nesse novo formato.
Para consecução desses objetivos, foi desenvolvida e está em execução uma proposta emergencial de formação em letramento digital, tecnologias educacionais, metodologias, avaliação e uso das novas tecnologias digitais, já no formato remoto, com didática própria, cuja lógica difere do modelo presencial, com o fim de atender professores, estudantes e o pessoal de apoio técnico-administrativo, com vistas a prepará-los para o estabelecimento dessa nova realidade, pois, como é cediço, grande parte da comunidade acadêmica também não tinha formação adequada nessa área para enfrentar as exigências e dificuldades criadas pelo coronavírus.
Nesse âmbito, no qual a infraestrutura tecnológica está criada por meio dos altos investimentos públicos que foram feitos, com a metodologia já desenvolvida, uma parte dos conteúdos já produzidos e sendo ministrados, e novos em fase de produção no formato digital para serem disponibilizados na modalidade de aulas pelo sistema on-line, sugere-se que a UFC dê um passo à frente e disponibilize o acesso ao público interessado, especialmente para professores e alunos da rede pública de ensino, estadual e municipal, que, a exemplo da comunidade acadêmica, também necessitam de formação nessa área.
Examinando os resultados obtidos com a estruturação e o lançamento do PPE, apoiado em uma moderna plataforma tecnológica digital, constatamos que foi possível, ainda em julho, a Universidade reabrir e disponibilizar para seus alunos todos os 88 cursos de graduação interrompidos abruptamente em março, em razão da pandemia; no início do mês em curso, há mais 23 novos cursos, estando hoje com um total de 111 programas de graduação em funcionamento pela modalidade remota, com 3.370 novas matrículas, permitindo aos estudantes o reencontro com a sala de aula, ainda que virtual.
Ante tão complexa realidade, e a emergência de se modernizar a metodologia de ensino, com a produção de mais conteúdos e até a criação de um paradigma educacional, em substituição ao modelo tradicional, é preciso que estejamos atentos ao processo de ressignificação do professor, que cada vez mais será exigido a se adequar a esses novos tempos, mas que jamais poderá ser substituído pelas novas tecnologias, embora já se observe que, em alguns setores, a máquina já ultrapassou o homem.
Em face dos novos desafios,
a que todos, em maior ou menor grau, teremos que enfrentar com o máximo de
racionalidade, o filósofo estadunidense Allan Bloom sentencia “[…] a função mais importante da Universidade, na
era da razão, é proteger a razão de si mesma”.
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